Uma minúscula fração se converteu ao cristianismo. Nunca se pôde acusar hipocrisia à fé e identidade desses assolados.
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segunda-feira, 12 de dezembro de 2011
Velho oeste medieval
Uma minúscula fração se converteu ao cristianismo. Nunca se pôde acusar hipocrisia à fé e identidade desses assolados.
sexta-feira, 9 de dezembro de 2011
Montaigne e suas histórias
domingo, 4 de dezembro de 2011
Mais sobre a defesa de uma nova emancipação da filosofia (sobre os efeitos administrativos de um anti-naturalismo)
sábado, 12 de novembro de 2011
A situação política do departamento de filosofia na universidade
Naturalmente, para quem quer sair da universidade e correr para alguma empresa ganhar dinheiro de verdade, não precisa se preocupar com isso. Mas para quem almeja seguir a carreira intelectual, deveria – e muito - considerar tal preocupação, e se não o faz, é apenas por ausência de pressão de quem deveria lhes pressionar. O departamento de filosofia deveria de uma vez por todas assumir a sua responsabilidade na liderança da Universidade; e deveria meter o nariz com uma impertinência épica em todos os outros departamentos, plantando fiscalizadores que selecionassem com o rigor devido a ambição de ser “doutor”, ou philosophical doctor. Esse projeto levaria os filósofos a serem os legítimos chatos da universidade, a pedra no sapato monumental de todo cientista medíocre que almejasse ter um título gratuito de doutor no seu currículo. Não importa. Se a responsabilidade não for deles, será de quem? Não há outros mais interessado nem mais imbuídos com a responsabilidade de salvar a cultura do interesse mesquinho, seja do dinheiro, seja da simples vaidade gratuita de pseudo-intelectuais com sede de títulos.
Apêndice
Agora uma questão técnica. A dependência entre as ciências e a filosofia parece ter uma estrutura simples, principalmente quando lemos teorias como a fenomenologia de Husserl e os projetos epistemológicos de Carnap. Mesmo as teses de Quine, que relativizam enormemente a força dessa dependência, clamando inclusive por uma naturalismo que enfraquece a influência da filosofia no pastoreamento das ciências, mesmo essas teses apresentam um quadro por assim dizer simples. Chamo-lhes de simples pois tratam a coisa teoricamente e não investigam a distribuição política das vozes envolvidas no diálogo moderno. É preciso entender que na universidade hoje há departamentos cujos alunos e professores que nunca estudaram sequer uma página de metafísica e epistemologia que, não obstante, sofrem a influência invisível de pressupostos não científicos. Como não sabem o que esperar deles, os mais inteligentes arrumam um jeito de agregá-los à sua rede teórica como se fossem da mesma natureza que todo o resto. Não fazem a separação entre filosofia e ciência. Isso leva a pensar que, na prática, a estrutura da negociação entre ciência e filosofia é bem mais complexa do Husserl, Carnap ou Quine deixam transparecer. No fundo, mesmo sem terem uma ideia dessa negociação, a prática a agrega e a torna invisível. Ora, a minha questão é, portanto, prática e segue para a política. Os autores mencionados deixam justamente de estudar a influência que a omissão ou a ação política tem no desenrolar desse diálogo. Por isso a minha proposta nesse post não é teórica. Não venho aqui sustentar um anti-naturalismo, um anti-positivismo ou uma volta aos preceitos Críticos de Kant. Venho na verdade defender que existe um espaço de negociação político que simplesmente não está ocupado: o dos filósofos. Ora, não seria preciso plantar autoridades institucionais para justificar a voz essa parte da discussão que, por falta de imposição, está calada? Acredito que, embora se saiba obviamente que um país de terceiro mundo tem influência sobre o sucesso de um de primeiro mundo, essa interdependência se torna invisível e irrelevante se não se criam vozes políticas, entidades institucionais (a ONU, etc) que zelam por seus interesses. É o mesmo que acontece com a filosofia hoje na universidade. Por algum motivo o filósofo se resignou com seu lugar subalterno. Mas eu acredito que com um pouco de "meteção de nariz", estaríamos claramente no centro da azáfama e, até mesmo, no lugar de liderança da universidade. Obviamente a dependência das ciências com a filosofia é bastante fraca na graduação dos cursos; mas, como eu disse em cima: quanto mais sobem os cargos, mais essa dependência começa a ficar visível e, acredito, é nesses pontos que quem sai do departamento de filosofia deveria cravar suas unhas e assumir um pedaço da fatia de voz. Para quem acredita que estou sendo muito ambicioso: ora, isso é uma tese administrativa! Obviamente, gênios que não precisam de universidade, autodidatas de elite, esses não precisam se subordinar a medidas administrativas que servem justamente para distribuir o policiamento intelectual e garantir - para os não gênios - um padrão de aproveitamento intelectual. Ora, um autodidata genial incluiria maneiras de reproduzir o diálogo entre a filosofia e a ciência dentro de si mesmo. Já na academia, é preciso criar, impor e até lutar pelo lugar no diálogo. Nesse nível administrativo, meu projeto é tão viável como o que está em vigência hoje: a liberdade irrestrita de pseudo-cientistas e a omissão filosófica. Portanto, não sustento aqui uma tese epistemológica sobre as maneiras como um autodidata ideal acumularia conhecimento. Minha tese se aplica à estrutura administrativa da universidade e a alunos e professores que se utilizam das garantias e regras acadêmicas para otimizar a produção de conhecimento.
quinta-feira, 10 de novembro de 2011
“Quanto mais conheço os homens, mais estimo os animais.”
quinta-feira, 27 de outubro de 2011
A discussão da racionalidade e os animais (não humanos)
segunda-feira, 24 de outubro de 2011
Sr Pablo Neruda e as reflexões que ele me inspira
O que lamento é que os gramáticos já tentam (há muito tempo) subsumir essa maneira improvisada e livre de distribuir o peso e graduar a substância do visível, praticado por mestres como Neruda, a regras de sua ciência de velhos enrugados sem criatividade. Fazem então um inventário do que chamam de “imagens do estilo”, as metáforas, metonímias, eufemismos, hipérboles, etc. Assim as tratam como anomalias cobertas pelo seu complexo de regras, inofensivas se utilizadas nos limites da licença poética. Isso pode ser muito útil para cientistas da língua sem talento e nem emoção, porém, esconde a perspectiva do fato de que a essência mesma da língua está aí (e essas imagens não são, portanto, um conjunto de exceções usadas por boêmios ociosos e poetas): a sintaxe outra coisa não é que a distribuição de peso pela estrutura seletiva que administra a relevância significativa. O vem depois é semântica - mas os dicionários são um feto tardio, completamente dependente do pai sintático que lhe nutre, lapida e decide a forma. Esta predominância da sintaxe sobre a semântica está presente tanto nos hieróglifos que combinam imagens de homens com bicos de papagaio, até na linguagem do cinema, que seleciona os ângulos para marcar o passo da argumentação narrativa. E isso não é uma simples questão de imaginação gratuita; mas sim de estilo. O estilo disciplina a imaginação.
Ora, de que outra maneira isso seria feito melhor do que pelo modo de Neruda e Guimarães Rosa? São os mestres do estilo os verdadeiros pais da cultura, os juízes das perspectivas e inclusive da ciência – que só surge depois, como um corolário da metafísica e sua respectiva tentativa de colonizar a linguagem ordinária, lhe roubando a riqueza e a ambigüidade enquanto a torna rígida e precisa até o limite do matemático. Porém, mesmo os cientistas se enroscam com suas ambigüidades periódicas, e novamente são os bruxos do estilo que vêm para lhes salvar.
“Quando se refizerem as medalhas destruídas pela noite pestilenta destes tempos, só malferida pelas marcas valorosas da batalha espanhola e da eslava, recolheremos entre lodo e cinzas as lágrimas desta poesia, sua cauda de cristais, de tal maneira que estaremos orgulhosos pensando como passou a gaivota deixando uma estrela de platina sobre o céu escuro da tempestade terrestre, e escarvaremos essa minuciosa moeda, flagrância estrita e esplendor, como um documento de antigos heróis, de muita idade, de muita aflição, de muita primavera também: sonetos, canções, edificados na pedra fresca do tempo ensangüentado. (...) Esta poesia não começa: havia um expectante lugar em nosso idioma para a sua diamantina estrutura.”(Neruda, 2002. P. 27)
quinta-feira, 20 de outubro de 2011
O antídoto da filosofia
Não prego aqui nenhuma anacrônica volta a questões muito cerimoniosas, como a do ser, de deus, da alma ou da liberdade. Refiro-me ao fato de que hoje a grande massa de acadêmicos e pretensos críticos não sabem senão repetir jargões desgastados, que já perderam há muito tempo qualquer vestígio de conexão com uma região da experiência. Já não afetam o homem, e este já não sofre por elas, não as compreende intimamente e não as integra à sua vida, de modo que não passam de passatempo de jornalistas e de acadêmicos ociosos.
É normal culparem-se os bancos, o governo, ou o sistema econômico, pela atual crise. Mais de uma vez, no entanto, os analistas procuram definir melhor os fundamentos doutrinários que solidificam suas interpretações. Essa "descida aos primeiros princípios" não vêm com a carga de uma curiosidade metafísica, mas simplesmente o interesse, muito comum, em incrementar a credibilidade de suas teorias. Tenta-se achar, assim, o fundamento das leis econômicas e, como num círculo ao infinito, culpa-se então a psicologia de massa e, com diferenças na margem de atraso, chegam enfim à sociologia. Ou apelam para o conjunto misterioso de pressupostos – econômicos, psicológicos, metafísicos, etc – contidos na famigerada palavra “capitalismo”. E todos vão muito satisfeitos de terem entendido os mecanismos da inflação, enraizados em valores subentendidos na moral ou em erros institucionais, como o sistema bancário. Todos sabem tão firmemente a solução que o verdadeiro escândalo é, de fato, o problema nunca se dissolver. Já vi até mesmo dizerem que o problema é o papel-moeda, pedindo pela anulação dessa nefasta instituição: como se o problema do tempo, da historicidade da experiência, e todos os outros dos quais o dinheiro não é senão uma expressão circunstancial – na medida em que através dele administra-se justamente o atraso e o adiantamento das negociações humanas – pudessem magicamente sumir se alguém resolvesse voltar à instituição do ouro (ou à troca de mercadorias).
E a advertência que lanço aos últimos ingênuos, a lanço também aos preguiçosos intelectuais que usam o “capitalismo” como recurso metodológico ad hoc para explicar seja a regra, seja a anomalia. São posturas diferentes, mas a ingenuidade é a mesma, provém da mesma raiz. Naturalmente, não me refiro aqui ao gênio de K.Marx que, por bem ou por mal, pertence ao gênero dos filósofos aludidos no início desse post, e vinha de uma problematização radical e filosófica da economia – herdada de Hegel – que os economistas, sociólogos e historiadores de hoje não conseguem, malfadado esforço de cegos, sequer começar a visualizar.
segunda-feira, 26 de setembro de 2011
O caso (nunca encerrado) do Naturalismo
terça-feira, 23 de agosto de 2011
Mais um gole no antídoto da filosofia
domingo, 21 de agosto de 2011
Sobre a suposta 'Treta' entre o homem religioso e o científico
Esse post nada mais é que a exposição de uma curta coleção de oportunas citações. Oportunas com relação a quê? Como resposta a uma nova campanha de inteligência estreita que vai singelamente, com um ar de modéstia e indiferença, reivindicando um arrogante valor de triunfo. Comportam-se com a condescendência de quem ensina crianças, e, no entanto, ninguém sabe por que estão sempre tão incomodados e cheios de energia impaciente para responder ao que eles consideram tão inferior. São compostos de filósofos, cientistas e acadêmicos de todas as espécies. Sua origem é pródiga, porque nascem de um pressuposto de linguagem, um modo específico de falar, pensar, dialogar. E não me atrevo a indicar-lhes um nome abrangente, porque assim correria o risco de errar por generalização. Mas sei e não omito que são pacientes de uma das certezas do nosso tempo, que já dura e amadurece em versões cada vez mais confiantes e temerárias desde o século XIX. Estão em todas as partes, são desde criadores de stand up comedy até cientistas renomados, e, ainda com facilidade, se espalham pelos degraus menos prestigiados do grosso populacional. O característico no seu comportamento é um sentimento coletivo de inteligência que eles compartilham, dividem entre si, aquela complacência de quem sabe alguma coisa a mais. A irreverência é uma das suas armas, e eventualmente chegam a explorar esse talento tão bem que encantam. Para fazer-lhes justiça é preciso dizer que são engraçados e perspicazes, o que não muda o fato de assim vingarem-se do fato de serem muito grosseiros para abordar temas e problemas que ultrapassam os seus limites. Mas “de que serve hábeis sabichões e inábeis e honestos empíricos e mecânicos forçarem uma aproximação, como hoje é tão comum, tentando penetrar com ambição plebéia essa ‘corte das cortes’?” (Nietzche, 1998, p.121). Como lhes falta toda sutileza, adoram chutar cachorro morto, pois ali eles brilham: ridicularizam as pessoas religiosas, que são alvos fáceis e não podem se defender senão com sua fé ou com argumentos muito toscos. Ora, o que eles definitivamente não entendem na natureza do homem religioso é “quanta sabedoria existe no fato dos homens serem superficiais”. O que leva o homem a adotar uma interpretação religiosa da existência é justamente o “temor daquele instinto que pressente que não é bom ter a verdade cedo demais, antes que o homem se tenha tornado forte, duro e artista o bastante” (Nietzsche, p. 62). É forçoso reconhecer então a que instinto esse homem sarcástico e risonho obedece. Isso é simples, ele mesmo não esconde: é o instinto à verdade. É nesse envolvimento com a verdade que se situa a sua sensação de superioridade. É, porém, nessa mesma sensação que reside a sua falta de elevação, que se denuncia a sua guerra ao sentimento artístico, à máscara, ao flerte da cultura com o mundo natural. Nas suas econômicas leis usadas para ligar todas as cadeias de fatos em uma explicação global esconde-se a sua própria maneira de abstinência, a sua não-religiosa forma de limpar o mundo de sua beleza e abundância: “A esses pesquisadores compete tornar visível, apreensível, pensável, manuseável, (...), abreviar tudo o que é longo” (Nietzsche, 1998, p.118). A obsessão com a verdade é, antes, “a fé em uma valor metafísico, um valor em si da verdade”. (Nietzsche, Genealogia da Moral, 2007, p.139). É com a fidelidade a esse sentimento, que trás consigo o orgulho infantil de pertencer ao grupo da humanidade que usa a lógica e a razão, que evolucionistas hoje mostram as armas contra os cristãos, em uma vergonhosa luta que se assemelha a um jogo de futebol de crianças de doze anos, onde todas correm ao mesmo tempo atrás da bola e deixam o campo mal distribuído e a povoação dos pontos essenciais desmarcada. Confiam na aleatoriedade das direções da bola para marcar um gol por acaso; e não raro não sabem distinguir quem é do próprio time e quem é do outro. Pouco escandaliza que marquem gols-contra com frequência. Essa disputa recicla uma guerra antiga em que nem todos foram ainda vingados e é de supor que existe muita amargura, repressão, desejo de desforra escondido aqui. Afinal, cientistas foram queimados, amordaçados, calados. Se nos atermos a esse desejo de vingança e a essa animosidade infindável entre o homem da batina e o curioso experimental, portanto, não vamos chegar a lugar algum. Desviarei a atenção para uma única passagem veemente e espirituosa de Tolstoi, onde este arrebatou toda essa enferrujada discussão, em que não se sabe bem o que se disputa, e a vitória não tem valor nem prêmio a não ser uma satisfação narcisista e uma vingança mesquinha. Porque, afinal, além desses despojos emocionais, o que ganha um biólogo ao refutar um religioso? Será mesmo que o último é uma ameaça ao primeiro? Será que eles, de fato, disputam o direito da mesma coisa? De forma alguma. Aqui não temos senão uma confusão de esferas de investigação. Citemos o russo: “pois o fato de que, do ponto de vista da observação, a razão e a vontade não passam de secreções do cérebro, e o homem, seguindo a mesma regra, pode proceder de animais inferiores num remoto período de tempo desconhecido, não faz mais que explicar, por um lado novo, uma verdade não disputada a milhares de anos por todas as religiões e todas as teorias filosóficas... Que os homens descendam do macaco num remoto período desconhecido de tempo é tão compreensível como o fato de terem sido formados de barro num período determinado (no primeiro caso, x é o tempo; no segundo, o processo).” (Tolstoi, Guerra e Paz, 2007, p.1496 – [essa numeração parece, mas não é uma data!]). A mágica dessa citação é mostrar como é supérflua a disputa que hoje se faz em torno dessas infames polêmicas. Tão supérflua que a vitória de um lado não dá recompensa nenhuma, nem prova nada contra o outro. A desmistificação da crença nessa diferença entre ciência e religião precisa ser encorajada porque, apesar da aparente facilidade da demonstração de sua inutilidade, ambas ainda se combatem hoje acirrada e inflamadamente. Já passou da hora de ver que a ciência não é antagonista do ideal religioso, e nem o ideal religioso antipatiza com o ideal científico. Ambos convergem com relação ao destino perseguido, a saber, o ideal ascético, de redução, negação do que é grande e abundante; abreviação e economia de explicações. A relação da ciência com “o ideal ascético [da religião] não é antagonística em si, ela antes representa, no essencial, a força propulsora na configuração interna deste.” (Nietzsche, 2007, p. 141). De fato, não nos enganemos mais sobre a dependência nítida que a ciência tem de formas mitológicas de orientar a formalização de sua verdade, maneiras de enriquecer os seus pressupostos, sem os quais ela restaria sempre exposta e frágil, à beira da falência de seu crédito hipotético. Toda forma de metafísica, popular ou acadêmica, é uma maneira de antecipar a verdade com um molde subjacente, fortalecendo e adaptando o homem e a cultura para o seu acolhimento. “Não existe, a rigor, uma ciência ‘sem pressupostos’, o pensamento de uma tal ciência é impensável: deve haver antes uma filosofia, uma ‘fé’, para que a ciência extraia dela uma direção, um sentido, um limite, um método, um direito à existência.” (Nieztche, 2007, p. 139).
terça-feira, 17 de maio de 2011
Vai aí uma apresentação técnica da minha dissertação (já que ninguém foi à defesa). Não tem nada de muito atraente, mas assim como ser feio nunca foi motivo para alguém ficar em casa sábado à noite, também eu não tenho pretexto para não publicar minha apresentação num blog, por indiscreto que isso seja. Acredito que a modéstia é um luxo de quem já tem fama. Aos coitados como eu, não há vergonha alguma em fazer uma auto-publicidade. Arrogância seria pressupor que ninguém poderia fazer um uso, às vezes melhor do que eu mesmo, disso aqui; afinal, é o temível Kant, explicadinho em miúdos. Alguém pode fazer proveito. Depois, o blog é um bom jeito de guardar um registro on-line para mim mesmo. Assim, pois, aqui a tenho: a dissertação apresentada sob o título de “Kant e a nova abordagem da Filosofia” é basicamente uma apresentação do problema da Crítica da Razão Pura à luz da reconstrução do seu sentido histórico.
O problema da obra é permutável com o problema da metafísica (que significa o problema da razão pura) e o seu sentido histórico corresponde ao seu papel específico no final da linha conduzida pelos antecessores. Por isso, em grande parte, esta dissertação trata do modo como as questões da filosofia transcendental modificam e englobam as interrogaçõe de Descartes, Leibniz, Locke, Hume, entre outros. A rigor, o processo observado utiliza diversos instrumentos argumentativos. Kant em parte refuta o racionalismo e o empirismo, em parte aproveita de ambos seus melhores pontos, administrando sutilmente os elementos disponíveis a fim de construir uma visão nova de toda a problemática, conhecida por dialética, e expressão máxima das ilusões da razão pura que caracterizam a metafísica.
Essa versão do problema, por sua vez, acompanha uma abordagem nova da metafísica, e uma subseqüente mudança de atitude filosófica. Uma vez que a filosofia é a idéia de uma ciência que explora a relação de todos os conhecimentos com os fins essenciais da razão humana (A839/B868), podemos concluir que a idéia dessa ciência assumirá um valor diferente para cada maneira de considerar a razão humana e seus fins essenciais. Com efeito, o racionalismo e o empirismo têm diferentes visões dos limites e do alcance da razão humana. Por conseguinte, chegam a diferentes perspectivas de filosofia. Para o primeiro a filosofia é dogmática, isto é, compromete-se com a soberania incontestada da razão pura no envolvimento com seus fins essenciais. Para o segundo a filosofia é cética, isto é, não acredita no alcance incondicional da razão pura sem interferência dos sentidos.
Através da caracterização dogmática e cética Kant descobre um sentido filosófico correspondente ao modo como se admite o alcance da razão pura para condicionar o conhecimento. Desse modo, o centro da questão torna-se a respeito dos limites do conhecimento. E a questão chave usada por Kant para discuti-la é a questão sobre a possibilidade dos juízos sintéticos a priori, que dão conhecimentos pertencentes à classe da Física, da Matemática e da Metafísica – em oposição aos conhecimentos analíticos da Lógica e aos contingentes dos juízos sintéticos a posteriori. Para resumi-lo, a possibilidade dos juízos sintéticos a priori depende de uma doutrina sobre a forma da experiência, explorada por Kant em duas fases. Na Estética Transcendental e na Dedução das categorias puras. O seu nome é idealismo transcendental. O característico nesta doutrina, como argumentamos no trabalho, é a mudança de foco para a ideia de forma, em oposição a uma abordagem simplesmente material da questão do alcance do conhecimento. Esse deslocamento permite a Kant explorar uma nova dimensão da discussão, inacessível a seus antecessores: a dimensão transcendental do problema da razão pura.
A razão não é mais considerada dogmaticamente (como se alcançasse a matéria da coisa em si) e nem ceticamente (como se dependesse irremediavelmente da matéria contingente dos sentidos). A dimensão transcendental da razão pura descortina a perspectiva puramente formal da coisa em si, isto é, esta considerada unicamente como uma realidade transcendental, fonte de ilusões dialéticas – e incognoscíveis do ponto de vista empírico (que é o único relevante para a ciência). Assim a questão material da coisa em si é trocada pela questão formal a respeito das condições de possibilidade de alcançá-las. O idealismo transcendental não é senão a contraparte do realismo transcendental, e é compatível com um realismo empírico, que por sua vez é a contraparte de um idealismo empírico. Essa troca conclui o que chamamos de subsunção sistemática de problemáticas da modernidade e, segundo argumentamos, ela é um modo de radicalizar a problemática da metafísica – e da razão pura – até ela assumir um valor novo.
Parte central da dissertação aqui apresentada é pressupor um sentido histórico da questão cartesiana. Adotamos uma metodologia que considera a linha de Descartes, Leibniz, Locke e Hume, onde o último com seu ceticismo representa o passo mais próximo da radicalização completa do problema e por isso esse é o responsável por acordar Kant de seu sonho dogmático. O problema cético, no entanto, precisa também ser radicalizado até não parecer um simples problema empírico acerca do alcance psicológico do conhecimento, mas sim um problema mais amplo a respeito da tendência inevitável da razão pura a transcender seus limites. Semelhante golpe de visão global acaba por demarcar todo o horizonte dramático do contexto da metafísica. Tendo estendido dessa maneira os limites da problemática moderna, pressupomos que se chegaria a uma revolução copernicana da filosofia, uma abordagem crítica do problema da razão pura, e uma subseqüente atitude transcendental a respeito da metafísica.
Isso, no entanto, faz com que a metafísica se confunda parcialmente com as características transcendentais, e perca resquícios da sua carreira ontológica antiga, bem como a teológica. E assim, a idéia da filosofia como a ciência que administra a relação de todos os conhecimentos com os fins últimos da razão pura sofre um último condicionamento. Kant chamou de filosofia transcendental uma espécie de sucedânea da metafísica no sentido crítico de sua exploração da razão pura, e são as características dessa qualificação transcendental que nos interessará discutir no fim da dissertação. Assim, o nosso problema é uma reprodução do problema de Kant, interpretado como uma subsunção sistemática das questões modernas até devolvê-las um caráter radical, que explora uma nova vocação à metafísica, como Filosofia Transcendental.
Enquanto os dois primeiros capítulos são uma apresentação da linha de problemáticas que culmina no desafio cético de Hume, e finalmente é englobado por Kant em uma dedução transcendental dos conceitos puros, o terceiro e último trata de explorar essa nova caracterização da filosofia, decorrente da maneira transcendental de substituir a metafísica, e a maneira crítica de abordar a razão pura. O idealismo transcendental, como doutrina subjacente a essa nova abordagem da filosofia, tem um sentido epistemológico supostamente óbvio, uma vez que sacrifica a cognoscibilidade da coisa em si em favor de uma doutrina das condições empíricas do conhecimento. Porém, o que está por trás da cortina da experiência não é rigorosamente impenetrável: como vemos no ideal da razão pura, existe um sentido prático diretamente proveniente da realidade noumenica, que nos dá inclusive comandos morais e justifica a fé. Portanto, não é tão óbvio assim que a coisa em si seja um mero modo de consideração transcendental do objeto, que no nível de reflexão empírico tivesse realidade plena. Esse impasse reflete o embate entre Strawson e Allison. A nossa dissertação adotou a argumentação de Allison de que o idealismo transcendental de Kant não implica um psicologismo (fenomenalismo), mas rejeitou a sua interpretação meramente epistêmica, pois nela o peso da problemática da coisa em si é diminuído até não sobrar senão uma espécie de metodologia da ciência empírica.
O capítulo três – e último – tenta discutir o caráter do idealismo transcendental pelo seu valor para modificar a abordagem da metafísica e, consequentemente, a própria filosofia. Portanto, por um valor maior do que o de ser uma mera propedêutica da ciência. Discutimos a visão de Lebrun e Bonaccini, para quem a problemática da coisa em si guarda uma inevitável aporia, o que corresponde ao fato de que o problema da razão pura é uma dialética inevitável. Discutimos também a visão de Heidegger em A tese de Kant sobre o ser, onde é proposta a interessante tese de que a lógica transcendental e os postulados do pensamento empírico em geral são maneiras de explicar as modalidades do ser e, portanto, a doutrina transcendental é uma adaptação da ontologia para um conceito pós-científico da filosofia. Nossa interpretação, coincidindo com Bonaccini, Lebrun e Siemec, adota a posição de que a filosofia transcendental não é nem primariamente ontológica, nem primariamente epistemológica, mas, porém, a antiga problemática metafísica está presente no modo de pensar epistemológico transcendental, que não é, portanto, uma mera propedêutica da ciência.
Na última subseção discutimos a coincidência entre o caráter da filosofia transcendental e a sua vocação não natural, usando o apoio de Husserl em A idéia da Fenomenologia. E concluímos a dissertação com a ideia de que a solução kantiana do problema da metafísica envolve a o postulado de seu caráter não natural e essencialmente problemático, motivo pelo qual não goza do mesmo sucesso das ciências empíricas e a lógica. A nova abordagem da Filosofia derivada dessa caracterização da metafísica é essencialmente não dogmática e nem cética, porém, não é especialmente epistemológica ou ontológica, e nem pertence a uma região própria. O importante é ter em mente que Kant preserva a filosofia como filosofia primeira, pois o peso e o valor de seu questionamento não se pode reduzir a uma abordagem natural e a uma propedêutica da ciência.
É viável se perguntar se dessa maneira a própria história da filosofia não é a narração dos diferentes modos como a metafísica é colocada em questão durante as passagens de épocas e gerações. É compreensível que em uma época obcecada pelos resultados práticos da ciência experimental, esse questionamento tenha o caráter de uma procura por fundamentos seguros e objetivos para o conhecimento. A diferença entre uma fase ontológica, outra epistemológica e ainda outra lingüística seria fundamentada em um traço comum e mais geral que elas próprias: o modo como cada época se questiona a respeito das aporias, dilemas, antinomias e paralogismos inevitavelmente presos àquele que as pensa (para Kant, este seria o ser racional, e estas questões seriam justamente as da metafísica). Isso simplificaria a explicação do fato de que as discussões desde Platão quase sempre mudaram pouco, porém degradaria também nossa compreensão teórica da filosofia, a diminuindo a um gênero não acadêmico ou intelectual: algo como um conjunto teórico de questões que nascem não de uma leitura sistemática ou uma formação universitária, mas de um ato, uma atitude, ou uma perplexidade metafísica: “Metafísica enquanto filosofar, nosso agir próprio, humano” (HEIDEGGER, 2006, p. 5).
terça-feira, 10 de maio de 2011
Aos interessados na minha dissertação.
sexta-feira, 8 de abril de 2011
Notas sobre a suposta diferença de esferas entre Cultura e Autoridade
Sublinharei de saída os traços de uma importante diferença entre saber e autoridade: o primeiro é amparado em uma boa disposição das luzes, uma completa liberdade dos quadrantes dialéticos que participam do diálogo e da discussão que o gera, pois a sugestão de perspectivas, sejam para pior ou para melhor, só pode contribuir positivamente para o desenvolvimento das ciências e das artes (embora a primeira com uma metodologia mais rígida que a segunda). Já a autoridade não tem a mesma tolerância, pois seu objetivo não é outro senão o de preservar e proteger as regras. Mesmo quando uma mudança é proposta para melhor, na ordem política, ela é suspeita. Isto se dá porque a autoridade não julga sobre o valor do conteúdo da mudança, mas é um índice de rigor do próprio julgamento. Qualquer mudança de perspectiva é um desacato da autoridade. Tal desigualdade seria o fundamento de um suposto rompimento originário entre a academia - a escola - e a política. Há, no entanto, infiltrações entre estes dois setores, da cultura (saber) e da política (da autoridade): frequentemente o concurso das idéias é selecionado e filtrado pelo peso do interesse político. O que os intérpretes da História da cultura, do espírito, não podem ignorar – não sei quantos ainda ignoram, mas me expresso assim para dar valor de novidade ao texto – é que a dialética pretensamente neutra das idéias é na verdade subjacentemente orientada por uma dramaturgia de batalhas pelo direito à autoridade. Entenda-se como uma complexa guerra que está acontecendo a todo o momento por detrás da suposta discussão limpa e clara entre doutrinas, e que transforma a nossa noção simples de espírito em outra, menos teológica, mais política. Menos divina, mais prática e corrupta. A rigor, a interação entre poder e saber é extremamente mais complexa do que a suposta por filósofos de há muitos séculos, como Bacon, que ingenuamente achava que descobrir causas e formas da natureza daria um controle operatório que se traduziria em poder. Mal desconfiava as influências do poder sobre o próprio saber, e o palco dos conflitos de crédito subjetivo onde se desempenha a narração da cultura. Conheço de ouvir falar e leituras esparsas teorias novas e movimentos recentes – pós-estruturalismo – que valorizam e levam em conta essa forma de abordar o problema; e que discutem a força da idéia de assinatura, bem como a de autoridade, compreendidas como modificações estruturais da idéia de subjetividade; exploram a força destas idéias para levantar a importância das questões sobre os pressupostos morais, históricos, econômicos e antropológicos subjacentes à teoria do conhecimento e à filosofia (entendida como a suposta guardiã da cultura). No entanto, não estou apto a falar sobre elas e prefiro conservar-me apenas atento às ligações entre meus estudos e estes, antes de achar o momento oportuno de estudá-los concretamente.