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segunda-feira, 14 de março de 2011
A experiencia e o experimento
domingo, 13 de março de 2011
Isso eu digo em minha própria defesa: a falta de elegância não é um aleijamento do estilo. Elegância é apenas uma antiga exigência de simplicidade, emprestada dos matemáticos e subliminarmente enraizada em preconceitos metodológicos, doutrinas metafísicas e crenças espirituais que remontam a uma mitologia social. Quando não é incentivada por artigos de fé, a própria ciência não a desmente: pois seria impossível chegar à verdade sem essa simplificação das crenças e asserções em formas gramaticais elementares. Não se deve surpreender quem ver a mesma mitologia influenciando toda uma geração da moda, como a dos cortesãos, predominantemente elegantes no falar e no vestir, porque fazia parte do seu emprego bajular e paparicar a realeza. Quando se pretende aplicar as mesmas lambidas nos leitores, editores e professores, ou para seduzir mulheres antiquadas, portanto, é a mesma mitologia que é recomendada. Mas será realmente interessante a todo produtor de texto conformar-se a um modo tipicamente matemático de conectar as fases de uma argumentação, essa economia na avaliação do peso das premissas, essa neutralidade algorítmica na busca por soluções? Supondo que isso fosse possível; não, não seria interessante. Mas também isso depende de uma questão ideológica: a idéia de natureza, a idéia de realidade, a idéia de deus, todas essas idéias são solidárias a essa modéstia assertiva dos matemáticos, essa submissão à regra da elegância. Somente muito recentemente o mito político da autoria e da autoridade foi contestado, e ainda é cedo para contestar os seus brios aristocráticos e as suas roupas elegantes na linguagem, porque o povo que o sucedeu continuou preso aos mesmos ideais. Em alguns círculos, contudo, já se sentiu os tremores provenientes desse epicentro remoto. Há algum tempo a literatura já goza de uma liberdade estilística que põe em jogo a própria noção de nome, de assinatura e de autor, rindo à larga de seus escrúpulos ao apuro no vestir e no falar; e infringindo sem hesitação o seu dogmatismo gramatical e estilístico. A livre eloqüência já vem sendo semeada nestes círculos. Junto com ela podemos esperar uma riqueza nunca antes vista no sentir e no pensar...
quarta-feira, 9 de março de 2011
Supondo que a verdade fosse a recompensa de uma metodologia acertada, de uma linguagem estruturada sem enfeites, ídolos e simbologias ambíguas; isso é, o justo pagamento por uma estratégia simples, clara e elegante para solucionar problemas, teríamos uma confirmação da divisão que fazem alguns: da ciência como a precursora da verdade, e da literatura como o foco da imaginação arbitrária. Pois a literatura é carente de fato de todas aquelas qualidades que fazem da ciência a simplificadora oficial da experiência humana, que a empobrece a uma existência de algoritmos. Pelo contrário, é construída englobando a convergência de muitas vozes, não dispensa enfeites e acessórios, tem uma rebeldia original e nativa à simplicidade e não raro, aplica à eloquência a regra da prolixidade. E, no entanto, é preciso para fazer-lhe justiça rejeitar o sacrifício que lhes oferece os cientistas, o de ocupar um lugar à margem da verdade. É certo, porém, que a verdade na literatura seja alcançada por uma perspectiva diferente; e que o seu valor, parecido com aquele dos mitos e das fábulas, tenha contra si a resistência de alguns milênios de oposição, desde talvez quando os primeiros filósofos advogaram com tanta energia a causa da verdade científica. A abordagem da verdade feita pela literatura é tão diferente daquela realizada pela ciência que o seu objeto, apesar do mesmo, é irreconhecível. Naquela a verdade é acessível apenas como o subtexto que percorre o submundo dos acontecimentos superficiais, e que exige um herói, um forasteiro, um exilado, que chega à trama representando a capacidade de não engolir a mentira coletiva enfeixada na problemática do enredo. Um vilão que representa a outra face da inteligência, o gênero astuto, imprescindível à complicação do fio narrativo que dará ao último acontecimento o valor de um fim e de uma solução. O mulato vitimado pela fatalidade histórica, que vem dissolver com o seu exemplo todas as nódoas de um escândalo obscuro. Ou um louco, uma bruxa, que representa no concurso narrativo a sensibilidade inspirada, a visão que faltava à limitada perspectiva do cenário construído. Um casal apaixonado, cuja falta de mesquinhos escrúpulos expõe os segredos criminosos escondidos, e cujo impacto da morte representa o triunfo do destino. A literatura pressupõe a interrogação do espírito e não dos fatos naturais, e é por isso que a sua versão da verdade acaba vindo em forma de uma experiência cultural, um amadurecimento espiritual, ou, como se chama também, uma moral subjacente à estória.
A História é um perigoso trânsito dialético de vozes, e não uma linhagem de eventos sucessivos suscetíveis ao exame obsequioso de um trabalhador de laboratório. Por isso o acervo inteiro de artigos sociológicos e tratados de história, tenham eles frouxa ou sólida constituição metodológica, não valem um livro de Aluíso Azevedo. Quem espera extrair uma verdade da História esqueceu sempre que interrogar o livro da cultura não é como uma exegese bíblica, e nem uma audiência à letra de Deus. Cada geração é uma edição particular e nova de toda a História, cheia de conflitos entre versões e paixões, e exige de seus intérpretes uma penetração intuitiva, muito mais do que uma obediência dócil a regras científicas.