Daqui do país da corrupção é fácil adivinhar, com ares
de sabedoria, a causa da desvalorização dos professores. Mais difícil é
entender porque essa classe já é relegada a um plano abjeto desde antes de
assumir uma identidade profissional, quando seus membros erravam pela civilização carregando
o estigma que antecedeu a sua representação conceitual. Os professores na Grécia
antiga se chamavam “sofistas”, palavra que ainda hoje levanta calafrios de
desprezo. Os sofistas tinham, na verdade, uma boa reputação como sábios e donos
de ciência. No entanto, já levantavam a desconfiança natural que se tem
daqueles que se dizem donos da verdade. É possível que o homem comum já tenha eriçado
sua hostilidade contra os professores muito antes que Sócrates viesse
denunciá-los formalmente, como inimigos da humildade filosófica, e farsantes incapazes
do reconhecimento da própria falta de saber.
A mancha que carrega o
professor está associada ao jargão de que ele depende. De certo modo, o homem
comum, o que batalha, sofre, adquire com a experiência todas as lições do
tempo, não suporta ter que ouvir a autoridade de alguém que passou pela vida através
de um filtro literário, alguém que habita linguagens e vive para impô-las. Entendida
como moeda, a linguagem do professor atravessa ciclos de mercado, e a própria sobrevivência
lhe recomenda que tenha responsabilidade fiscal na sua administração. Por consequência,
o saber que o professor passa, e que passa ao próximo professor passando ao
próximo aluno, é algo irremissivelmente pequeno e desgastado, o resultado de
uma grande economia, fundando dinastias linguísticas que mendigam à cultura um
subsídio de veracidade, migalhas de credibilidade.
Cedo se associa o professor
a uma imagem de imoralidade, um defeito de caráter: a avareza. São mercadores
de ciência, como já denunciavam as palavras de Sócrates, piratas do
conhecimento, adquirindo no mercado mais barato, e vendendo no mais caro. E então,
como se não estivesse o bastante difamado, se associa ao professor a
infidelidade, o talento para manipular o espectador, através de falácias e outros
embrulhos. A versão moderna e profissionalizada do professor parece estar
gozando hoje as consequências dessa cicatriz: a escala social a que pertencem
está abaixo dos profissionais a quem ensinam, como se fossem rebaixados a profissional
fracassado, o artista que não conseguiu fazer arte, o músico que não conseguiu
emplacar, o literato que não conseguiu escrever.
Como é pretensiosa a humanidade por
isolar um bode expiatório tão conveniente!
Professorar é usar a autoridade para estabelecer elos de crédito entre
uma estória e seu leitor, mantendo a linha de fidelidade da leitura – e das
doutrinas e morais que ela ensina. Assim a cultura se afirma e reafirma, professorando.
A família e as outras instituições são formas de exercício professoral. Sem
elas, não existiria sequer cultura, em sentido estrito – e, naturalmente, sem
professorar a única forma de manutenção da cultura seria através da imposição ditatorial,
cuja estrutura é por princípio auto-destrutiva, baseada em demagogia e em
publicidade. É uma pena, porém, que aqueles que assumem o exercício como profissão
tenham de ser sacrificados para abafar a ânsia do povo por sangue. Alguém tem
de fazer o serviço sujo.