Discursar sobre origem e a definição dos batuques é percorrer um campo cheio de concorrência, disputado por candidatos à malandragem,
avessos a qualquer pronunciamento de entendidos. Meu interesse não é
problematizar o patrimônio dos larápios. Além disso, as miscigenação de influências
que se cruzam para construir uma nova realidade cultural são muito complexas, e
provavelmente não são registradas por testemunho direto, porque quem viveu a
época não podia adivinhar que Tango e Maxixe, Bolero, etc, fossem se
consubstanciar em uma nova coisa. Tudo isso faz do estudo do historiador um
pesadelo. A tese de Muniz Sodré, no entanto, apesar de não satisfazer o gosto
pelas provas empíricas, apresenta uma definição do samba especialmente atraente.
O autor não se concentra em elementos estruturais da música ou aspectos
particulares da cultura, em relatos ou artigos de jornais, mas, em um golpe de
gênio, resgata um aspecto particular da “concepção cósmica-temporal-rítmica”
dos africanos como chave de interpretação. Assim ele explica o que há em comum em
todas as expressões do assim chamado samba – maxixado, de roda, etc – como uma
desestabilização do sistema tonal europeu das polcas, ritmicamente, através da
síncope. Mas isso, em vez de fixar a definição musical do samba, faz com que
essa última dependa intrinsecamente da dança: “de fato, tanto no jazz como no
samba, atua de modo muito especial a síncopa, incitando o ouvinte a preencher o
tempo vazio com a marcação temporal – palmas, meneios, balanço, dança” (Sodré,
M. 1979, Samba, o dono do corpo, p.24).
A genialidade dessa explicação está em
conseguir abranger o conceito de samba como uma interdependência entre a música
e a dança, deixando, além disso, espaço para especular sobre a ligação entre o fenômeno
cultural brasileiro e a tal “concepção cósmica-temporal dos africanos”, que
introduz as exigências de seu sotaque corporal no meio dos planos melódicos
europeus. Deixo aqui a sugestão de especulação, para os curiosos e inquietos.