Apesar de ser um assunto com poder de sedimentar uma atmosfera de
tensão, a dança de salão moderna, quanto mais amadurece sua expressão artística
independente, já não pode esconder suas controvérsias. Um dos seus
traços mais fortes é a capacidade de empregar modelos de comunicação inéditos, um
diálogo entre os corpos, e explorá-lo até os limites de uma criação ilimitada. Por
isso mesmo surge, como uma questão inevitável, o que eu chamarei didaticamente
e sem muita seriedade de “primeiro impasse da dança de salão”. O impasse entre
a técnica e energia da comunicação (entre os corpos). Aqueles que decidem
enfatizar apenas a técnica tendem a agir como os falantes de uma só língua,
acreditando que nenhuma troca é possível fora do paradigma de um conjunto fixo
de regras. Os que dançam apenas com sua energia pretendem que a comunicação
avance sem sintaxe ou estrutura, pura intuição. A energia sem técnica produz
uma dança cega, a técnica sem energia produz uma dança dogmática. No discurso
dos professores, o tecnicismo se apresenta como uma forma de intolerância a
linguagens diferentes, produzindo alunos sem juízo próprio, que precisam
confiar na correlação simpliciter
entre estímulo e instrução, semelhantes aos ratos condicionados pelos choques
de Skinner, mas com um agravante: ratos que acreditam na linguagem de seu
professor como se ela fosse a linguagem de deus, e que a reproduzem nos bailes e
nas aulas em uma campanha pedagógica para policiar cada pequeno detalhe dos
corpos dos demais que não correspondem ao “gesto absoluto” como lhes foi
ensinado pelo mestre inquestionável. A maior parte dos tecnicistas só dançam
com os alunos de uma mesma escola, e os tecnicistas mais fanáticos tem apenas
um parceiro, cuja voz corporal ele/a entende perfeitamente graças ao hábito e
repetição, e agora julga qualquer desvio a esse padrão como um erro
intolerável. Os professores mais inclinados a um ceticismo técnico, no entanto,
tendem a incentivar a combustão de alunos incapazes de padronizar formas de
comunicação rápidas, efetivas e práticas, promovendo uma dança onde o único
remédio para o erro é a tolerância. Por outro lado, a sensibilidade à energia
do outro corpo é a única forma de oferecer pistas para correção de técnicas que
se provaram pouco práticas, e é possível dizer que a dança em par não começa
pela técnica, mas que as diferentes técnicas surgem depois da experimentação
entre as energias em troca durante a dança. Se isso é verdade, não existe ainda
melhor ethos para a comunicação entre
os corpos do que a generosidade ou pressuposição de que a outra voz tem tanto
valor quanto a sua, a tolerância a diferentes linguagens, o ceticismo racional
ou capacidade de dar o benefício da dúvida ao outro lado, o senso de humor ou
capacidade de debochar da devoção supersticiosa a uma interpretação escolar do
gesto, ignorar o fanatismo técnico, em suma, maneiras de aperfeiçoar a
sensibilidade ao outro corpo. E do outro lado, esse ethos, que é posto em
prática nos bailes, onde funciona o mercado onde são comercializadas todas as
linguagens técnicas, não perde nada por ser abafado nas escolas, onde se deve conceder a
autoridade ao professor durante aquela hora inteira sem questões. Uma
coordenação combinada entre técnica e energia só traz benefícios, e aprender a
navegar no meio dessas tendências é importante para preservar a auto-estima e a
persistência durante os (muitos) anos de aprendizado.