Quatro
dias de dança, e uma gratificante dor nas costas de sequela. O Baila Floripa não recompensa o ladrão
com mais do que ele pode carregar. Quem volta com o corpo dolorido presume ter
algo em comum com alguns dos virtuosos que dançaram e se apresentaram, e que
puderam carregar mais do que calos e dores no seu furto ao espírito da festa. O
congresso, organizado pela administração da acads, presidida pela competente e
incansável Aline Menezes, é um canal de muitas energias. As diferenças de
estilo se desafiam, a variedade de experiências se confronta, e os casais mais
ousados se enfrentam no final, em uma expressão de competitividade fundamental
tanto para o florescimento da arte quanto da ciência. Mas a um desses comércios
de influência eu gostaria de dar ênfase, uma vez que é aquele em que tive o
prazer de participar: a ebulição inspiradora parida da interação entre os
alunos e os professores, e que tem o seu auge no final de cada aula, quando as
duas classes se oferecem mutuamente em uma generosa troca. Os gritos, assobios,
suspiros e suspenses dos pupilos são a semente de uma energia sugada e
reciclada pelos mestres, que devolvem respostas improvisadas pelo próprio
corpo, em um diálogo que envolve a música, o dançarino e os admiradores. Como
um comediante progride com o progresso dos risos da audiência, a dança se
alimenta dos uivos de prazer dos seus fãs. Naqueles últimos cinco minutos sincroniza-se
o tempo em uma expressão de arte real. O expectador e o artista negociam suas
necessidades na linha fina do instante. A narrativa da dança se torna um jogo
de reflexos entre o autor e o leitor, cada gesto nascendo livre e ao mesmo
tempo necessário, como se sua espontaneidade fluida viesse amadurecendo desde
uma raiz longínqua plantada em um passado remoto, para emergir no agora com a
força de uma ideia fresca. O Baila Floripa é feito pelos ícones. Além dos
talentos locais que cada vez mais confirmam a suspeita de um futuro brilhante,
há os de fora que através do youtube foram previamente canonizados, e a sua presença
infesta o ambiente com um ar de veneração. Mesmo que fora do universo da dança não
sejam conhecidos e admirados com a mesma intensidade, é fazer justiça dizer que
as suas performances agregam valor à personalidade cultural do Brasil. Assim
como jogadores de futebol, Garrincha, Pelé e Romário, alguns dos prodígios dançantes desse país
deveriam já estar incluídos em letras de música e ser cantados nas rodas de
samba, como figuras da mitologia popular, capazes de misturar as sílabas do
espírito brasileiro e escrever mensagens que apelam ao nosso coração, nos
despertando um senso de identidade.
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terça-feira, 22 de abril de 2014
sexta-feira, 11 de abril de 2014
Como aplicar a falácia do espantalho: reflexões sobre a má interpretação das falácias informais nas discussões diletantes da internet
Em uma época em que a internet
se tornou uma ilha exposta às enxaquecas de muitas ondas ideológicas, e abriga
acirradas discussões políticas, onde mesmo as pessoas mais tímidas encontraram
inspiração para se expôr e defender suas crenças, eu, que fiquei apenas mais
tímido, decidi escolher um lugar pretensamente mais neutro e olhar a discussão
de fora, alertando para alguns perigos que acompanham as expressões apaixonadas
de sentimentos íntimos. Quero fazer uma pequeno advertimento lógico, a respeito
das falácias informais, especialmente uma: a chamada falácia do espantalho.
Observo que se tornou um costume mais ou menos frequente pessoas invocarem essa
falácia como uma carta de emergência, projetada para ganhar qualquer discussão.
Na verdade, ela de fato é raiz de mal entendidos, e o grande pensador que em
algum momento a descobriu provavelmente teria a devolvido para a cachola se
suspeitasse como o público geral faria uso de seus serviços. Isso acontece
porque ela apela para um sentimento muito comum presente na maior parte dos debatedores,
quando esses superestimam a própria opinião. A ideia é que, sempre que alguém
discorda com ele, estaria cometendo a falácia do espantalho. Espantoso não?
Imaginem o exemplo: Uma alguém A apresenta um argumento logicamente estruturado
para refutar a conclusão de que o Brasil é um país corrupto. Um oponente
"B" pensa que o Brasil é um país corrupto e que como "A"
não considerou as premissas que ele (B) próprio acha relevantes, então (A) deve
ter simplificado o caminho até a conclusão, ou seja, usou uma versão
conveniente ou um espantalho do problema para adquirir respostas - ou
conclusões - fáceis. O mais fantástico é que B não acha apenas que
"A" estava errado: ele acha que "A" cometeu uma falácia. Segundo ele, "A" nunca chegou a desafiar o fato de que O
Brasil é um país corrupto, pois sequer apresentou um argumento válido. Triunfante, agora qualquer um que não problematizou
a questão como ele, ou que não adotou as mesmas premissas que ele, ou que
apresente argumentos fracos, irrelevantes, não inteligentes o bastante, comete
falácias. E assim, resumindo, quem discorda de "B" é sempre um
falacioso. É a instauração do caos argumentativo: todos podem desqualificar o
argumento do outro com base na superestima que ele tem sobre a própria opinião.
Psicologicamente, isso significa que "B" pensa desse modo: "se
alguém discordou de mim, é porque falhou em colocar o problema e abordar a
minha opinião pelo modo mais forte o possível, isto é, o modo como eu mesmo a
abordo". E qualquer opinião agora é a priori desqualificável.
Pois se "B" acusa "A" de simplificar convenientemente o
argumento alvo, "A" pode igualmente acusar "B" de
fortalecer convenientemente o argumento protegido. E como ambos podem acusar um ao
outro de falaciosos, as diferentes opiniões nunca se enfrentam e confrontam,
transformando a discussão em um verdadeiro circo sem propósito. Pela mágica da
loucura, ambos agora correm em círculos atrás do próprio rabo.
O uso inopinado e constante dessa falácia para fazer acusações desse tipo tem sido uma manobra falaciosa com valor independente, que poderíamos batizar com seu próprio nome. Mas deixemos a parte da nomenclatura para quem tem mais energia. Importa a nós perceber que quando olhamos a sua estrutura, percebemos por que é tão fácil as discussões de internet não caminharem para lugar algum. Do ponto de vista psicológico, tal uso reflete a tendência conhecida das pessoas a pensar que aquele que discorda de si não entendeu seu argumento: pois para ele, bastaria que ele entendesse, para que automaticamente concordasse. Essa ingenuidade deriva de algo que poderíamos chamar de um vício de personalidade baseado em uma má compreensão da natureza formal da lógica. Propriamente falando, nenhum argumento pode ser falacioso ou logicamente desqualificado em vista do seu conteúdo - em outras palavras, todos estamos livres para escolher o nosso próprio recorte, nossas próprias premissas, nossas próprias suposições, nosso próprio conteúdo, e isso não pode nos desqualificar como falaciosos. A falácia do espantalho, por sua vez, quando adequadamente aplicada somente ocorre quando esses três passos ocorrem:
O uso inopinado e constante dessa falácia para fazer acusações desse tipo tem sido uma manobra falaciosa com valor independente, que poderíamos batizar com seu próprio nome. Mas deixemos a parte da nomenclatura para quem tem mais energia. Importa a nós perceber que quando olhamos a sua estrutura, percebemos por que é tão fácil as discussões de internet não caminharem para lugar algum. Do ponto de vista psicológico, tal uso reflete a tendência conhecida das pessoas a pensar que aquele que discorda de si não entendeu seu argumento: pois para ele, bastaria que ele entendesse, para que automaticamente concordasse. Essa ingenuidade deriva de algo que poderíamos chamar de um vício de personalidade baseado em uma má compreensão da natureza formal da lógica. Propriamente falando, nenhum argumento pode ser falacioso ou logicamente desqualificado em vista do seu conteúdo - em outras palavras, todos estamos livres para escolher o nosso próprio recorte, nossas próprias premissas, nossas próprias suposições, nosso próprio conteúdo, e isso não pode nos desqualificar como falaciosos. A falácia do espantalho, por sua vez, quando adequadamente aplicada somente ocorre quando esses três passos ocorrem:
1. uma
premissa foi apresentada na discussão pelo sujeito Y e aceita para os fins
de argumentação pelo sujeito X
2. O sujeito X entende errado ou distorce a premissa
3. O sujeito X ataca a conclusão de Y através da versão distorcida da premissa aceita (cometendo a falácia do espantalho).
Se o passo 1 nunca ocorrer, isto é, se X não aceitar nenhuma premissa ou
suposição de Y, logo, o passo 2 e 3 tampouco pode ocorrer, pois ele não pode
distorcer uma premissa que, em primeiro lugar, ele nunca aceitou como parte da
argumentação. X tem o direito lógico de encadear a sua conclusão a partir de
suas próprias premissas - as únicas dívidas lógicas que ele terá serão
exclusivamente com elas. Ele não tem nenhuma responsabilidade lógica de
interpretar bem ou adequadamente uma premissa que ele nunca aceitou, pois sua
conclusão não depende dela. Na pior das hipóteses X pode estar errado e
sustentar uma premissa falsa, mas não haverá falácia, por mais que Y esperneie dizendo que não foi "corretamente compreendido".
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