A cidade de Lençóis é uma cidade de garimpeiros, me disse com relut^ancia o guia, resistindo retoricamente à minha pergunta sobre a atividade ilegal de
extração de pedras, como se me avisasse para não tocar no assunto com essa
honestidade semântica tão violenta. Contudo, ele gostava de apontar cada
armação de pedras fragmentadas que enfeitava a trilha, recompondo a véspera
transparente, sugerindo o passado movimentado daquelas estradas sem pavimento.
Eram os destroços do que antes foram abrigos solidários aos homens tomados pela
febre do diamante, uma vez que a pé a cidade mais próxima poderia custar cinco
horas de trabalho atrasado. Quem eram esses homens? Tive vontade de perguntar.
Mas minha pergunta não faria sentido, o guia jamais entenderia a raiz da minha
curiosidade, minha vontade de saber a que vazio humano essa raça obedecia, que
grande épico da angústia espiritual eles protagonizavam, com que íntima coragem
exploravam as condições de uma ambição ilimitada e solitária. Queria saber a
qual cultura de sofrimento e de prazer eles pertenciam, que tipo de músicas
nasceria de sua experiência, que literatura seria escrita inspirada por suas
frustrações e sucessos. Passamos por uma casa de garimpeiro intacta, uma
metáfora de madeira embutida harmoniosamente na estrutura de pedras, como uma
miscigenação poética de obra humana e natural. Ali ainda poderia viver alguém,
e era inverossímil que não houvesse um dono contemporâneo. Foi quando fiz a
pergunta, e o guia tergiversou, ambíguo, como se protegesse um segredo que não
era seu. E eu queria fazer minha pergunta: quem eram esses homens? Mas aqueles
misteriosos homens dessa breve civilização em ruína não teriam para ele nenhum
encanto. Ele provavelmente acompanhou a sua trajetória sem reconhecer nenhum
vestígio de mágica: eram seus tios, seus pais. E o sacrifício? O abandono e o
delírio da riqueza? Mesmo o fracasso, nesses casos, tem de ser grandiloquente.
Resolvi traçar minha estratégia para roubar a verdade com essa pergunta: muita
gente enriqueceu naquela época? Ao que ele respondeu: olha... só quem
enriqueceu mesmo com os diamantes foram as prostitutas. Sim, pensei, as
prostitutas. Mas, ele continuou, não é bom usar esse nome para falar das
mulheres da vida em Lençóis não, me advertiu. Não precisei de mais explicação,
se era verdade que a origem das árvores genealógicas de famílias respeitadas
foi aninhada nos diamantes conquistados pelo suor sexual de persuasivas
oportunistas. E por que não? O próprio mito da fundação de Roma, quem sabe lá
se não encobre uma dessas verdades rasteiras que a elite se esforça por
erradicar dos livros da memória. Esbocei abordar o assunto, porém, o guia
tergiversou novamente, mais uma vez me ditando um limite retórico, um aviso
amigável de recuo: fim da linha. Ali podia estar em jogo a reputação de sua avó – com todo
o respeito.
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