A janela aberta do quarto deixava entrar
uma ideia ou outra, ressabiadas e tímidas como as brisas do mormaço. O painel
que se dilatava pela veneziana aberta com sorte pintava a passagem de uma
candidatura ao belo, embora em sua fugitiva natureza e independência. Não raro
a atenção se dirigia a um prédio, ou a uma rua do bairro comercial, onde
pessoas encenavam todos os dias mais um capítulo da pressa humana, o seu lépido
e ocioso passo de lugar qualquer para lugar nenhum. Mas iam e vinham como em
dança de ratos no laboratório, sugerindo ao pesquisador apenas simulacros de
experiências controladas, nada de espontâneo e livre, nem de levemente
despeitado e delinquente. Nenhuma fonte de inspiração.
Diante
do tribunal da vida, que é curta, é um luxo indesculpável recusar a ocasião de
uma viagem que cai do céu como uma mensagem gratuita da providência. Ignorar os
seus favores chega a ser uma arrogância. O que piora a reputação da ousadia é
que ela é uma perfeita infração da política dos modestos. Uma espécie de
superstição: pois esta é também um luxo, um capricho de quem acha que pode
dispensar a inteligência. Quando a janela do quarto é a única ventilação da
alma, nunca é demais advertir: algo está errado. Nada compara o efeito de uma
viagem para difundir sementes no jardim da experiência.
Tércio chegou, entrou e sentou-se,
esperando alguém que não lhe fosse estranho. Apenas por acaso a sua ruim
pontualidade não fora mais atrasada que a dos demais, que ousaram não entrar
senão antes que a hora exata os obrigasse. Haviam se acercado aos poucos e se
deixado à porta. Porém havia pretextos para estar dentro, mais do que para
estar fora: o frio do exterior carcomia a malha da pele sem nem aquela justa
piedade das traças, que dão aos livros pelo menos tempo suficiente para se
preservarem nas memórias de um leitor.
Mais
fácil era erodir-se em paulatino esquecimento pela exposição àquela extinção
glacial.
Mas
o povo ficava lá fora falando, falando, e lá dentro sozinho parecia
até mais inverno. Por um minuto, Tércio ponderou se tinha feito bem em lançar
mão das malas e colocar-se à disposição de uma viagem desconhecida mesmo depois
de seu único contato advertir-lhe a ausência. Não demorou, porém, a que
chegasse um rosto familiar. Cassiano era seu amigo quase tanto quanto Patrick,
ou seja, pouco, mas a sua presença o abrigava da pior solidão: a do estranho em
lugar de familiares. Já se pode agora deixar para trás esse primeiro minuto de
tensão dentro do ônibus. De agora em diante tinha casa: o amigo servir-lhe-ia
como as linhas de um papel para retificar sua caligrafia e torná-lo legível a
todos os outros. Era sua ponte de contato e seu ponto de apoio. Com esse
pequeno traço de ansiedade não precisava mais se preocupar.
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