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domingo, 20 de maio de 2012
Noriel Vilela - O Umbanda, o samba e o funk
Não se pode calcular numa doutrina exata a
quantidade inumerável de formas com que os ambíguos elementos da cultura
africana se dissolvem no submundo das sutilezas musicais. Porém, a assinatura
de sua origem é feita com letras fortes. E seu sangue negro continua a ser
filtrado e semeado na estrutura fina do estilo, pela ordem de uma regra
incompreensível capaz de soletrar a cifra do continente-mãe seja em blues, seja
em samba, em salsa ou em mambo. Noriel Vilela traduz o espírito das religiões
afro-brasileiras na tristeza e na alegria do samba, aproveitando em
contrapartida a inteligência de cintura emprestada dos sopros de influência norte-americana,
os abraços elétricos do balanço ritmado do funk. A sua música narra uma
constelação de sensações, dando a elas fluidez e fluxo. Mistura uma vibração que
vêm dos cantos repetitivos aliterando sílabas rebeldes de escombros de dialetos
tribais, balbucios desenterrados do fundo da infância negra: “Ororum dá ah haha
ah há”. Noriel era um homem religioso, violentamente envolvido com os poderes
de invocação de sua alma. Não podia ser diferente, sabemos quando ouvimos sua obra.
É difícil dizer de onde vem o gênio de um homem, de que fonte nasce sua
pulsação de energia elementar, seu talento para oferecer num gesto pessoal toda
a invocação de uma fase da cultura, da história, da música. Teria vindo, em
Vilela, da sua compreensão do Umbanda? Deixemos essa dúvida fútil de lado. Outra
coisa é mais importante. É que se vê logo que candidato ao título de gênio assim sub-repticiamente, sem segundas explicações, um homem que é uma incógnita da música brasileira. Mas não
me podem criticar o pressuposto do texto, é essa tese, afinal, da genialidade
incontestável do homem, que peço ao leitor como uma hipótese garantida pelo
benefício da tolerância. Tenho meus motivos para gastar minha credibilidade em
alguns eleitos do meu gosto. Mas me surpreendo de ter procurado mais sobre ele
e nunca achado uma bibliografia mais substanciosa, nem uma homenagem mais expressiva,
tendo visto o alcance intuitivo de sua realização no cenário da música. Até hoje
não vi o que o rivalizasse: inigualável não apenas pela voz de baixo, mas pelo
tom geral que ele dava ao som. E tudo isso em apenas uma gravação de álbum (“Eis o ôme”), o que nos deixa a insinuação dos milagres interrompidos, nunca feitos,
pelo mago intérprete de divindades cheias de molejo. Morreu cedo demais. Cedo
demais para que fosse reconhecido pelas toneladas de seu espírito, apesar de
ter conhecido uma fama efêmera que era inevitável pelo caráter popular de suas
canções. Não será, entretanto, injustiçado pela burocracia tardia do tempo:
cada vez que o escuto em meu carro com uma carona ou amigo um novo ouvido é
alistado, invariavelmente perguntam o que é aquilo, e se dão o tempo de uns
momentos de reflexão pelo sambista de tão singular sonoridade, dono de tanta
marca autoral. Há gente que não acredita que passou tanto tempo sem conhecê-lo –
a não ser pela música gravada pelo Funk
como le gusta e que, a rigor, é a que menos transmite a regra de seu valor
musical. E há muito pouco parecido no labirinto confuso das influências
musicais, embora a época tenha dado outras expressões similares de sua arte. Até esse texto apenas se redime pela humilde ambição de fazer mais pessoas procurá-lo e ouvi-lo. Quem sabe possamos esperar com um otimismo ingênuo que a repetição incansável
da sua produção miúda, agora que novas gerações podem lançar os olhos sobre ela
com a ajuda da distância, imprima em novos músicos a carga de suas sensações
lidas através dos sons, e quem sabe o futuro guarde o fruto das sementes
africanas que o grande regou. E que novos fatos concorram para exumá-lo do anonimato. Que sejam desvelados sinais e vestígios da vida misteriosa desse tesouro do estilo brasileiro.
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Isso é uma bela forma de dizer o que? Não sei se me inclino na mesma perspectiva, de acreditar nos aspectos da origem. Esta origem, do gajo acima, pode ser muito traduzida pela vida que levou ele a ser o que é... mas aquela origem, do outro lado do Atlântico, pouco me convence em dizer ser a causa da "atual" musicalidade - se é que me entendes (todo o cuidado é pouco para não parecer discriminatório nestas terras tupiniquins).
ResponderExcluirAdemais, bela dica, Sr. L. V.
=> dá pra fazer uma grande brincadeira com seu nome, já viu? L(o)V(e), o amante latino-brasuca.
uhauhauha, amante latino? uhauhauh... valeu o comentário gabriel. Pega o álbum do homem, que é foda.
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