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terça-feira, 23 de abril de 2013

"A Rainha americana de Versalhes"

Os documentários são desafios. Chega a admirar a coragem do diretor que dispensa o conforto fácil da ficção e, destemido, alista para seu filme habitantes enfadonhos da realidade. A vida real carrega uma complexidade infecunda, uma ausência de claridade na divisao entre vilões e heróis.  Essa falta não permite que dela se extraiam facilmente enredos e histórias. Em A Rainha de Versalhes, entretanto, os personagens fictícios não poderiam competir lealmente com as qualidades típicas e estereotípicas do elenco de criaturas reais. O documentário explora a frágil linha de demarcacão entre a paródia e a seriedade através do retrato de uma família bilionária que incorpora uma caricatura do sonho americano, símbolo da decadência dos valores na sociedade do fast food. A crise econômica que a colhe desprevenida aparece como uma peripécia digna da fantasia, com uma força moralizante e ao mesmo tempo trágica. O personagem central é o da mulher e esposa.  Uma ex-miss de algum estado, que se envolveu com o magnata do ramo hoteleiro por efeito gravitacional do clichê, essa força da natureza que regra a vida de grande parte da população. Hoje com quarenta e sete anos, adota uma aparência de objeto industrial, um produto manufaturado à base de plástico. Lembra uma bruxa disfarçada por elixires e magia: uma pequena ruga, um traço incongruente, uma mão mais grossa, é tudo que o público precisa para desmascarar o monstro por trás dos truques. O problema das mágicas é que, mesmo quando não podemos lhe denunciar a trapaça, sobra no ar o cheiro de falsidade. Caso não fosse assim, os mágicos seriam mais poderosos que políticos, os acadêmicos narrariam a história, e os artistas criariam por suas mãos a experiência, tomando o lugar de deus. Nossa Rainha de Versalhes americana é, em aparência, uma réplica mal feita de um padrão de mulher vendido pela cultura de massa, um simulacro que, por força de honestidade, deveria vir assinado pelo cirurgião plástico competente. Sua condição artificial reflete a situação forçada da família como um todo, que luta bravamente para pagar sua dívida de existir tentando enganar o tempo com o dinheiro. Curiosamente, o filme mostra um efeito inusitado, embora conhecido, do dinheiro: quem mais o tem, mais dele depende. O efeito viciante da moeda fica finalmente redundante quando a crise chega, como um traficante de drogas cortando o suprimento de amostras grátis.  Mas o verdadeiro valor do filme está no modo como envolve o expectador com o lado cômico, traindo um sarcasmo inevitável ao ver o jeito implacavelmente cego com que os membros da família descrevem às câmeras a sua lista de sapatos, bicicletas para os filhos, e o tamanho dos quartos na casa em construção. Essa, é uma cópia de mau gosto do palácio de Versalhes, no meio de Miami, que por si só já vale uma multidão de risos. E ainda há os quadros, onde o casal posa em tronos, vestidos com capas de veludo, um tributo completo ao brega. Os entrevistados não percebem estarem sendo sacrificados pelas câmeras ao altar do sarcasmo, e a sutileza da música escolhida garante que aqui não é uma manipulação do diretor: só irá rir quem realmente ver o lado absurdo da situação. Mas as risadas irão fluir como uma evasão torrencial de honestidade, e poderá, sem embargo, envergonhar os menos autoindulgentes, que não acharão pretexto para sentir aquela superioridade falsa de costumes que alguns brasileiros sentem pelos americanos.   

Trailler: http://www.youtube.com/watch?v=txdz5xuSW_c