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quarta-feira, 7 de junho de 2017

O Impasse entre a técnica e a energia na comunicação entre os corpos (na dança de salão social)

Apesar de ser um assunto com poder de sedimentar uma atmosfera de tensão, a dança de salão moderna, quanto mais amadurece sua expressão artística independente, já não pode esconder suas controvérsias. Um dos seus traços mais fortes é a capacidade de empregar modelos de comunicação inéditos, um diálogo entre os corpos, e explorá-lo até os limites de uma criação ilimitada. Por isso mesmo surge, como uma questão inevitável, o que eu chamarei didaticamente e sem muita seriedade de “primeiro impasse da dança de salão”. O impasse entre a técnica e energia da comunicação (entre os corpos). Aqueles que decidem enfatizar apenas a técnica tendem a agir como os falantes de uma só língua, acreditando que nenhuma troca é possível fora do paradigma de um conjunto fixo de regras. Os que dançam apenas com sua energia pretendem que a comunicação avance sem sintaxe ou estrutura, pura intuição. A energia sem técnica produz uma dança cega, a técnica sem energia produz uma dança dogmática. No discurso dos professores, o tecnicismo se apresenta como uma forma de intolerância a linguagens diferentes, produzindo alunos sem juízo próprio, que precisam confiar na correlação simpliciter entre estímulo e instrução, semelhantes aos ratos condicionados pelos choques de Skinner, mas com um agravante: ratos que acreditam na linguagem de seu professor como se ela fosse a linguagem de deus, e que a reproduzem nos bailes e nas aulas em uma campanha pedagógica para policiar cada pequeno detalhe dos corpos dos demais que não correspondem ao “gesto absoluto” como lhes foi ensinado pelo mestre inquestionável. A maior parte dos tecnicistas só dançam com os alunos de uma mesma escola, e os tecnicistas mais fanáticos tem apenas um parceiro, cuja voz corporal ele/a entende perfeitamente graças ao hábito e repetição, e agora julga qualquer desvio a esse padrão como um erro intolerável. Os professores mais inclinados a um ceticismo técnico, no entanto, tendem a incentivar a combustão de alunos incapazes de padronizar formas de comunicação rápidas, efetivas e práticas, promovendo uma dança onde o único remédio para o erro é a tolerância. Por outro lado, a sensibilidade à energia do outro corpo é a única forma de oferecer pistas para correção de técnicas que se provaram pouco práticas, e é possível dizer que a dança em par não começa pela técnica, mas que as diferentes técnicas surgem depois da experimentação entre as energias em troca durante a dança. Se isso é verdade, não existe ainda melhor ethos para a comunicação entre os corpos do que a generosidade ou pressuposição de que a outra voz tem tanto valor quanto a sua, a tolerância a diferentes linguagens, o ceticismo racional ou capacidade de dar o benefício da dúvida ao outro lado, o senso de humor ou capacidade de debochar da devoção supersticiosa a uma interpretação escolar do gesto, ignorar o fanatismo técnico, em suma, maneiras de aperfeiçoar a sensibilidade ao outro corpo. E do outro lado, esse ethos, que é posto em prática nos bailes, onde funciona o mercado onde são comercializadas todas as linguagens técnicas, não perde nada por ser abafado  nas escolas, onde se deve conceder a autoridade ao professor durante aquela hora inteira sem questões. Uma coordenação combinada entre técnica e energia só traz benefícios, e aprender a navegar no meio dessas tendências é importante para preservar a auto-estima e a persistência durante os (muitos) anos de aprendizado.