statcounter

segunda-feira, 14 de março de 2011

A experiencia e o experimento

Costuma-se chamar de laboratório a um local equipado, uma sala, um complexo de salas, um prédio inteiro de recreação onde cientistas de áreas diversas reproduzem os critérios de experimentação pós-Galileu que ganharam prestígio e autoridade como reação – talvez muito prestimosa (dentro de uma perspectiva) – às especulações cegas e descabeçadas da escola anexada aos interesses da igreja medieval. Experimentação, diga-se com mais precisão: controlada. O laboratório garante o controle da experiência. Eu, por minha parte, fiado na liberdade de divulgar opiniões por um blog, me credito a dizer que o principal em um laboratório é controlar a experiência, e que o tamanho da sala, a qualidade técnica dos aparelhos, e mesmo a competência da equipe são laterais. Se alguém completamente aleatório costuma sair de sua cama e encarar o mundo conforme regras que reduzem a sua experiência a um conjunto elementar de dados, eu não hesitaria em declará-lo vivendo em um laboratório. Toda demarcação de um limite para a experiência, um limite espacial, um limite temporal, um limite de pressupostos, é um controle laboratorial, que permite selecionar o que é relevante a um paradigma. E o que é a crise da metodologia científica senão uma disputa sobre os limites da experiência? – e, por conseguinte, um torneio dissimulado para premiar o melhor laboratório. Ora, os pressupostos que movimentaram a ciência pós-Galileu, nesta fase das negociações, ficam ameaçados de serem trocados por outras ideologias. Digamos de outra maneira. Aquele espontâneo entusiasmo do início da modernidade, aquela confiança no futuro do conhecimento amparado nos colos da ciência, toda aquela convergência de sucessos orientados para o triunfo da verdade, torna-se: uma simples e pobre mitologia pragmática, dirigida pelos interesses econômicos. Espero manter afastado de mim qualquer familiaridade com a raça marxista, embora, por força daquela bonita justiça que se faz a um inimigo, não possa deixar de tributar-lhes o devido valor. De fato, como eles já nos avisaram, o controle da experiência já hoje não serve senão a propósitos econômicos. E isso para mim não tem a menor importância, e continuaria a não ter, se por outra conseqüência não houvesse algo de pior auspício: a domesticação da cultura aos limites de um aprendizado de laboratório.

domingo, 13 de março de 2011


Isso eu digo em minha própria defesa: a falta de elegância não é um aleijamento do estilo. Elegância é apenas uma antiga exigência de simplicidade, emprestada dos matemáticos e subliminarmente enraizada em preconceitos metodológicos, doutrinas metafísicas e crenças espirituais que remontam a uma mitologia social. Quando não é incentivada por artigos de fé, a própria ciência não a desmente: pois seria impossível chegar à verdade sem essa simplificação das crenças e asserções em formas gramaticais elementares. Não se deve surpreender quem ver a mesma mitologia influenciando toda uma geração da moda, como a dos cortesãos, predominantemente elegantes no falar e no vestir, porque fazia parte do seu emprego bajular e paparicar a realeza. Quando se pretende aplicar as mesmas lambidas nos leitores, editores e professores, ou para seduzir mulheres antiquadas, portanto, é a mesma mitologia que é recomendada. Mas será realmente interessante a todo produtor de texto conformar-se a um modo tipicamente matemático de conectar as fases de uma argumentação, essa economia na avaliação do peso das premissas, essa neutralidade algorítmica na busca por soluções? Supondo que isso fosse possível; não, não seria interessante. Mas também isso depende de uma questão ideológica: a idéia de natureza, a idéia de realidade, a idéia de deus, todas essas idéias são solidárias a essa modéstia assertiva dos matemáticos, essa submissão à regra da elegância. Somente muito recentemente o mito político da autoria e da autoridade foi contestado, e ainda é cedo para contestar os seus brios aristocráticos e as suas roupas elegantes na linguagem, porque o povo que o sucedeu continuou preso aos mesmos ideais. Em alguns círculos, contudo, já se sentiu os tremores provenientes desse epicentro remoto. Há algum tempo a literatura já goza de uma liberdade estilística que põe em jogo a própria noção de nome, de assinatura e de autor, rindo à larga de seus escrúpulos ao apuro no vestir e no falar; e infringindo sem hesitação o seu dogmatismo gramatical e estilístico. A livre eloqüência já vem sendo semeada nestes círculos. Junto com ela podemos esperar uma riqueza nunca antes vista no sentir e no pensar...

quarta-feira, 9 de março de 2011


Supondo que a verdade fosse a recompensa de uma metodologia acertada, de uma linguagem estruturada sem enfeites, ídolos e simbologias ambíguas; isso é, o justo pagamento por uma estratégia simples, clara e elegante para solucionar problemas, teríamos uma confirmação da divisão que fazem alguns: da ciência como a precursora da verdade, e da literatura como o foco da imaginação arbitrária. Pois a literatura é carente de fato de todas aquelas qualidades que fazem da ciência a simplificadora oficial da experiência humana, que a empobrece a uma existência de algoritmos. Pelo contrário, é construída englobando a convergência de muitas vozes, não dispensa enfeites e acessórios, tem uma rebeldia original e nativa à simplicidade e não raro, aplica à eloquência a regra da prolixidade. E, no entanto, é preciso para fazer-lhe justiça rejeitar o sacrifício que lhes oferece os cientistas, o de ocupar um lugar à margem da verdade. É certo, porém, que a verdade na literatura seja alcançada por uma perspectiva diferente; e que o seu valor, parecido com aquele dos mitos e das fábulas, tenha contra si a resistência de alguns milênios de oposição, desde talvez quando os primeiros filósofos advogaram com tanta energia a causa da verdade científica. A abordagem da verdade feita pela literatura é tão diferente daquela realizada pela ciência que o seu objeto, apesar do mesmo, é irreconhecível. Naquela a verdade é acessível apenas como o subtexto que percorre o submundo dos acontecimentos superficiais, e que exige um herói, um forasteiro, um exilado, que chega à trama representando a capacidade de não engolir a mentira coletiva enfeixada na problemática do enredo. Um vilão que representa a outra face da inteligência, o gênero astuto, imprescindível à complicação do fio narrativo que dará ao último acontecimento o valor de um fim e de uma solução. O mulato vitimado pela fatalidade histórica, que vem dissolver com o seu exemplo todas as nódoas de um escândalo obscuro. Ou um louco, uma bruxa, que representa no concurso narrativo a sensibilidade inspirada, a visão que faltava à limitada perspectiva do cenário construído. Um casal apaixonado, cuja falta de mesquinhos escrúpulos expõe os segredos criminosos escondidos, e cujo impacto da morte representa o triunfo do destino. A literatura pressupõe a interrogação do espírito e não dos fatos naturais, e é por isso que a sua versão da verdade acaba vindo em forma de uma experiência cultural, um amadurecimento espiritual, ou, como se chama também, uma moral subjacente à estória.


A História é um perigoso trânsito dialético de vozes, e não uma linhagem de eventos sucessivos suscetíveis ao exame obsequioso de um trabalhador de laboratório. Por isso o acervo inteiro de artigos sociológicos e tratados de história, tenham eles frouxa ou sólida constituição metodológica, não valem um livro de Aluíso Azevedo. Quem espera extrair uma verdade da História esqueceu sempre que interrogar o livro da cultura não é como uma exegese bíblica, e nem uma audiência à letra de Deus. Cada geração é uma edição particular e nova de toda a História, cheia de conflitos entre versões e paixões, e exige de seus intérpretes uma penetração intuitiva, muito mais do que uma obediência dócil a regras científicas.