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terça-feira, 7 de maio de 2013

O sacrifício dos professores


Daqui do país da corrupção é fácil adivinhar, com ares de sabedoria, a causa da desvalorização dos professores. Mais difícil é entender porque essa classe já é relegada a um plano abjeto desde antes de assumir uma identidade profissional, quando seus membros erravam pela civilização carregando o estigma que antecedeu a sua representação conceitual. Os professores na Grécia antiga se chamavam “sofistas”, palavra que ainda hoje levanta calafrios de desprezo. Os sofistas tinham, na verdade, uma boa reputação como sábios e donos de ciência. No entanto, já levantavam a desconfiança natural que se tem daqueles que se dizem donos da verdade. É possível que o homem comum já tenha eriçado sua hostilidade contra os professores muito antes que Sócrates viesse denunciá-los formalmente, como inimigos da humildade filosófica, e farsantes incapazes do reconhecimento da própria falta de saber.
A mancha que carrega o professor está associada ao jargão de que ele depende. De certo modo, o homem comum, o que batalha, sofre, adquire com a experiência todas as lições do tempo, não suporta ter que ouvir a autoridade de alguém que passou pela vida através de um filtro literário, alguém que habita linguagens e vive para impô-las. Entendida como moeda, a linguagem do professor atravessa ciclos de mercado, e a própria sobrevivência lhe recomenda que tenha responsabilidade fiscal na sua administração. Por consequência, o saber que o professor passa, e que passa ao próximo professor passando ao próximo aluno, é algo irremissivelmente pequeno e desgastado, o resultado de uma grande economia, fundando dinastias linguísticas que mendigam à cultura um subsídio de veracidade, migalhas de credibilidade.
Cedo se associa o professor a uma imagem de imoralidade, um defeito de caráter: a avareza. São mercadores de ciência, como já denunciavam as palavras de Sócrates, piratas do conhecimento, adquirindo no mercado mais barato, e vendendo no mais caro. E então, como se não estivesse o bastante difamado, se associa ao professor a infidelidade, o talento para manipular o espectador, através de falácias e outros embrulhos. A versão moderna e profissionalizada do professor parece estar gozando hoje as consequências dessa cicatriz: a escala social a que pertencem está abaixo dos profissionais a quem ensinam, como se fossem rebaixados a profissional fracassado, o artista que não conseguiu fazer arte, o músico que não conseguiu emplacar, o literato que não conseguiu escrever.

            Como é pretensiosa a humanidade por isolar um bode expiatório tão conveniente!  Professorar é usar a autoridade para estabelecer elos de crédito entre uma estória e seu leitor, mantendo a linha de fidelidade da leitura – e das doutrinas e morais que ela ensina. Assim a cultura se afirma e reafirma, professorando. A família e as outras instituições são formas de exercício professoral. Sem elas, não existiria sequer cultura, em sentido estrito – e, naturalmente, sem professorar a única forma de manutenção da cultura seria através da imposição ditatorial, cuja estrutura é por princípio auto-destrutiva, baseada em demagogia e em publicidade. É uma pena, porém, que aqueles que assumem o exercício como profissão tenham de ser sacrificados para abafar a ânsia do povo por sangue. Alguém tem de fazer o serviço sujo.