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terça-feira, 14 de agosto de 2012

Os blogs e a imaturidade da sua expressão como mídia

Tenho sempre a impressão de que ainda não se aprendeu com precisão que tipo de força comunicativa um blog entretém, e por isso me sinto sempre hesitante com o valor e o peso da mensagem que veiculo aqui. Sem dúvida, tem um parentesco muito nítido com um jornal, porém, editado muitas vezes por uma única pessoa, o que faz toda a diferença. Como instrumento jornalístico o seu valor é realmente controverso, lhe falta algo como a credibilidade; como científico, é pouco legítimo, lhe falta aquele toque de patente acadêmica dado aos sobreviventes de uma banca de seletores editoriais. É ainda pouco compreendido o poder de transmissão de conteúdo, o modo de legitimar uma comunicação, em uma expressão – embora vaga: a estrutura de mídia desse veículo e, em virtude dessa incompreensão, talvez, seja tão difícil produzir algo com a substância de um texto real por aqui. Talvez a semelhança muito suspeita com uma espécie de diário arruíne até mesmo sua reputação literária. O tamanho dos textos, a forma de interação deles com o título, por vezes desejando seguir modelos de publicidade, e uma série de outros modos típicos de expressão dessa força evocativa relativamente nova, que irão ficar mais claros no futuro, assim como com a boca é mais fácil veicular certos símbolos e com as mãos outros, tudo isso ainda é muito preliminar e prematuro – provavelmente assim continuará sendo enquanto não tivermos distância para vê-lo amadurecer, se é que ele vai se firmar.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

A oficina retórica das Olimpíadas



            Uma vantagem de ser leigo como expectador das Olimpíadas é não ter perdido o olhar para o que há de estranho, pitoresco, e excessivamente particular em algumas de suas verdades sedentárias. Antes de tudo, isso não é uma crítica, mas uma observação irônica. Pitoresco e estranho são qualidades da arte. E não é obrigação do esporte ter qualquer semelhança com a competição da vida real, seja lá o que isso signifique. Ninguém cobraria o inventor do futebol por não ter arrumado uma melhor metáfora para a vitória do que a codificada por uma bola entrando por entre duas traves de metal. Nem o surfe perde o valor por ser inútil dirigir uma tábua de madeira pelas ondas do mar em um caso de naufrágio ou coisa parecida. Com efeito, o salto com varas não é menos emocionante por não corresponder ao modo real como se emprega a força e a destreza em uma caçada, ou em uma guerra. O fato de zerar em valor evolucionário zerado não impede que possamos vibrar com os desafios de um esporte, por assim dizer, bizarro.
            Mas ainda assim tem valor meu próprio comentário. Porque, seja lá qual for o modelo dos jogos, a vontade de ganhar, o desafio dos limites do corpo e da mente, e a justiça das regras são as únicas ligações invariáveis entre o praticante iniciado e o expectador leigo. Em conjunto, tal é a única fonte de identidade entre o esporte e a admiração do público, que sente no atleta uma empatia amistosa, uma inspiração sobre o próprio significado da vida. Quem estaria reclamando, assim, da estrutura geral de cada modalidade pitoresca que entra nas Olimpíadas, se não existe regra que as obriguem a ser normais? – e o que é considerado normal em um esporte, afinal?
            Existe um sentido, no entanto, em que a dívida do esporte com os três elementos citados condiciona toda sua validade. É esse o sentido em que o leigo tem vantagem sobre o iniciado. O primeiro, não obstante sua ignorância sobre as regras da ginástica ou do volleyball, consegue ver o quanto o esporte em questão corrompeu o seu vínculo com aqueles objetivos: a vontade de ganhar porventura se torna um vício acadêmico, semelhante às obsessões sociais dos alpinistas de cargos empresariais. Nem o corpo e nem a mente são jamais desafiados, posto que o atleta apenas precisa se esforçar por saber como explorar da melhor maneira os pontos cegos de seu manual, as zonas de conforto, amparado em tradições herméticas e fundamentalistas sem interesse em colocar à prova a efetividade de sua técnica. Também nesse caso o esporte não tem evolução, fica estagnado em vencedores conservadores que foram bem sucedidos apenas na arte macaqueante de aprender os truques, ou evolui como um monstro híbrido com mais cabeças que o necessário. Por fim, não raro as regras do jogo dependem demais da interpretação dos juízes, fazendo com que a vitória deixe de ser um triunfo, para tornar-se um mero apelo à subjetividade de pessoas com o emprego e a carreira em jogo.
            Esses são os problemas que o leigo verá em uma parte enorme dos esportes que assiste nessas Olimpíadas. E subestimaremos o olhar do leigo? No caso do judô, que é exemplo marcante, um esporte cuja origem remonta a técnicas de combate, os pontos são distribuídos à realização de golpes que realmente não existem a não ser na interpretação de seus manuais, cuja efetividade em um combate real é gritantemente discutível, e que podem ser manobrados com malandragem pelos atletas.
            Alguém irá dizer: mas assim também é a vida! – cheia de truques, artimanhas, onde os justos nunca vencem! Sim, a vida. Mas não é a vida real com suas imperfeições morais que queremos ver fielmente traduzida nas Olímpiadas, e sim um retrato moral perfeito do que ela deveria ser, de quem mereceu ganhar, de quem tem uma vontade triunfante. Só isso vincula o atleta a um ideal heroico, que nós amamos seguir porque enriquece a nossa compreensão da dignidade e da inteligência humana. Não é a toa que o xadrez tenha sido popular por tantos séculos – e ainda assim não tem o mesmo valor do futebol, pois pode ser vencido por computadores.
            A respeito desse último, cumpre observar que o pitoresco da maioria dos esportes olímpicos se opõe justamente a sua estrutura. Apesar de estar aberto também a muita dissimulação e jogo sujo, isso não desvirtua o leigo de sua admiração porque este encontra até mesmo nas faltas premeditadas parte de desafios a talentos verdadeiros, elementos fundamentais da rivalidade. O próprio fato de ser o esporte mais praticado e popular do planeta, saído dos pés de meninos das favelas, intensifica o caráter da competição que ele gera, radicalizando o sentido da vitória até o seu significado mais profundo, e envolvendo o expectador – mesmo o mais leigo – no âmago de suas emoções, medos e sofrimentos mais fortes. Comparado a ele, os demais esportes olímpicos não passam de treinos particulares e esportes acadêmicos, oficina de vencedores retóricos gerados em laboratórios de países de primeiro mundo, cujas medalhas não são diferentes de troféus de políticos mentirosos que ganham debates aprendendo como impor e proteger a sua arena de linguagem.