statcounter

terça-feira, 10 de maio de 2011

Aos interessados na minha dissertação.

Como invocar a relevância atual de Kant? É certo que ao grosso numérico da humanidade não faria falta saber o que Kant falou, problematizou ou resolveu. Mas isso talvez diga mais respeito à natureza de sua sensibilidade do que ao valor daquilo a que são insensíveis. Se estivessem interessados em mapear com maior amplitude os seus próprios problemas, tornar-se-iam imediatamente passíveis. E isso significa: mapear os seus problemas domésticos, políticos, privados, públicos etc. Todos os problemas, pois sem exceção expressam algum nível do envolvimento que pedem à razão para a sua resolução. Naturalmente, as questões científicas parecem ser as mais imediatamente afetadas pelo desempenho e a competência da razão; mas, a rigor, nenhum problema simples ou complexo escapa à sua influência. Razão não é mais do que o tribunal último de todas as contendas. Como invocar, pois, a relevância atual de Kant? Se alguém que vai apresentar uma dissertação de mestrado sobre a obra mais importante desse filósofo serve para alguma coisa, deveria ser para isso. Ora, a doutrina de um filósofo só pode ser exposta fiel e academicamente ao se confiar na possibilidade de recriar a paisagem de seus enfrentamentos, os interesses e os personagens da disputa. Abdicamos, pois, à parte acadêmica e fiel, para sugerir uma paráfrase mais apelativa à narração: um paralelo com um palco atual, onde os personagens somos nós mesmos. Se abstrairmos, pois, o contexto histórico de Kant e avaliarmos os seus problemas tal como ainda hoje eles estão presentes, poderíamos traçar o esboço de um análogo campo de batalha dizendo: a crise da razão pura e a aporia da coisa em si (os dois problemas capitais da Crítica da Razão Pura) vivem na nossa obsessão, tão atual quanto nunca, a esgotar absolutamente a fundamentação que condiciona nosso conhecimento. O que é a raíz de uma ambição ao controle absoluto do mundo que nos circunscreve. Essa primeira obsessão dá lugar a nossa tendência a materializar toda abordagem metafísica em dogmas regionais das ciências naturais, que precisam da autoridade dogmática da razão pura para fundamentar suas certezas. Em seguida, gera uma reação cética a esses dogmas e às subsequentes crises de metodologia enfrentadas pelas ciências de tempos em tempos. Kant ensinou a abordar a metafísica sem uma filosofia dogmática e com isso, sem exposição aos ataques da filosofia cética. Dessa forma, inaugurou a possibilidade de uma filosofia que revelasse a “coisa em si” como um fetichismo atávico da razão pura, uma mania de conter as coisas em nossas mãos, disposicioná-la à nossa abordagem controlada, não fragmentada, reduzindo a natureza aos limites culturais da representação, ou seja, da experiência possível. A própria metafísica, em todas as suas expressões (religiosas, morais, etc) não passaria de quartel general ideológico a serviço desse fetichismo com a idéia de “coisa”. É devido a Kant que sabemos que essa “coisa” (ou "objeto") é apenas um dogma que traduz o conjunto de elementos estruturais usados pela subjetividade para reduzir a natureza à experiência humana. A credibilidade desses elementos, por sua vez, é demarcada por meios que Kant não discutiu, preferindo as instituir como faculdades do entendimento humano alcançáveis através de uma analítica do entendimento e uma dedução das categorias puras do conhecimento, no que ficou conhecido por vários nomes: idealismo transcendental, psicologia filosófica, fenomenologia pura, etc, todos nomes associados a uma tese comprometida com a existência de juízos sintéticos a priori. A nós, que não compramos essa parte do kantismo, é possível especular com sugestões óbvias como o fetichismo com a idéia de “coisa” se instaura: as instituições políticas, por exemplo, são formas de distribuir o crédito que estrutura as reivindicações de verdade no mundo da cultura, selecionando as experiências ricas e as pobres, as que a História agrega e as que ela rejeita. As “coisas” do mundo e as verdades científicas que nelas se fundamentam vão assim se formando estruturalmente pela história, que não é senão a narração dos Sujeitos cuja experiência colonizou espiritualmente as outras. Aqui, porém, já estamos um pouco mais longe de Kant, seguindo o caminho de Hegel, Marx e que foi retomado mais recentemente por pós-estruturalistas como Foucault, etc. Lembremos, pois, Kant como o centro irradiador de toda essa filosofia repetida aos quatro cantos por cientistas sociais, psicólogos, historiadores, etc. Espero ter conseguido assim invocar o valor da Crítica da Razão Pura aos olhos dos que a negligenciam e dos que tem mais o que fazer do que se embrenhar nela, pelo que não os culpo, embora nunca sejam mais do que dezessete gatos pingados que me assistem neste blog. E o fazem sem nenhuma obrigação, pelo que não deixo de ser-lhes grato. Aos amigos a quem eu nunca me dignei a falar dela, fiquem aqui com o seu esboço. Faço assim também um treino antecipado à defesa, que agora não pode mais atrasar. Chama-se “Kant e a nova abordagem da Filosofia”. Abraços, obrigado.


Nenhum comentário:

Postar um comentário