statcounter

domingo, 4 de dezembro de 2011

Mais sobre a defesa de uma nova emancipação da filosofia (sobre os efeitos administrativos de um anti-naturalismo)

Existe uma economia geral dos sucessos do conhecimento: consiste na totalidade dos modos como ele valida a si mesmo ou administra recursos de validação, instituindo moedas fundamentais do comérico acadêmico, a saber, paradigmas fundados em instituições universitárias poderosas. Em algum ponto da história esse processo geral tinha pressupostos metafísicos mais nítidos; sua ligação com a religião, com os interesses do Estado, ou simplesmente a sua raíz linguística era mais transparente. A filosofia em todas as suas nuanes foi por muitos séculos a disciplina onde se discutia todas as formas dessa transparência, fosse fundando novas metafísicas, fosse discutindo ideias políticas ou os pressupostos epistemológicos e linguísticos subjacentes a um padrão paradigmático bem sucedido – hoje a Física, a Química, a Antropolgia, etc. Até pouco tempo atrás, a natureza geral da negociação entre a produção de conhecimento e seus instrumentos de validação faziam parte de uma mesma mistura, de modo que não se distinguia ciência da filosofia do mesmo modo como hoje se tornou trivial. Newton fazia um tratado de filosofia natural. O conteúdo das teorias era imiscuído com a semente da especulação filosófica, de modo tão inseparável, que seria difícil filtrar onde terminava um e onde começava o outro. Mas o tempo passou, os próprios filósofos começaram a desconfiar demais de si mesmos e reconhceram sem demora que toda aquele dejeto metafísico não passava de um reflexo objetivo das formas da experiência humana. O positivismo logo se aproveitou de tal constatação, pedindo sem reserva a emancipação completa das ciências. E mesmo agora que não se encontra mais positivistas pela rua ou pelos corredores, a ciência se acostumou tanto com o seu confortável lugar que não admite mais qualquer interferência externa à sua metodologia. Suas bancas e departamentos universitários são verdadeiras máfias a serviço de um paradigma, uma zona de conforto muitas vezes degradante. O naturalismo filosófico predominante nas últimas décadas é reservado o bastante para não defender teses positivistas, mas preserva e protege as suas conquista ao questionar o suposto poder de um método alternativo e alienígena que pretendesse dar regras primitivas – como categorias puras – para ler a experiência e interpretar a cultura, controlando de fora a economia inteira do comércio acadêmico do conhecimento. Isso seria quase como um socialismo! Um despeito, um ataque dos inimigos da sociedade livre. Abaixo à filosofia!  Assim são suas palavras de ordem: “nós cientistas fazemos nossa própria revisão. Não existe lógica, gramática, metafísica ou epistemologia, a não ser a epistemologia consorciada com a nossa própria metodologia. O essencialismo e a analiticidade são mitologias opressoras! Se precisarmos de apoio, temos tudo de que precisamos na própria ciência. Apelamos à teoria da evolução, à psicologia, à psicanálise, até à antropologia. Em último caso, tudo se explica pelas teorias mais gerais da Física, a mãe ciência. Não temos a explicação para tudo, mas não precisamos dela. Revisamos a nós mesmos”. E, no entanto, não vejo hora melhor para atacar esse funesto naturalismo, reivindicando contra ele uma tese administrativa. Não tenho propensão para revolucionário e provavelmente nunca irei me engajar em lutas. O que não me custa a despesa de pedir uma volta da filosofia em versão administrativa, uma plantação severa de instituições que zelem pelo interesse filosófico – regulada por pessoas saídas do curso de filosofia – em todas as camadas da academia. É natural que isso soe falso e um pouco pretensioso. Hoje, no entanto, não vejo nada mais ao qual pudesse aplicar minha energia e estou bastante disposto a me engajar nisso, pelo menos elaborando textos de blog - o que é um início.

2 comentários:

  1. e ae tarles! então, só esqueci de dizer que sem a filosofia, sem transparência na negociação entre a ciência e seus instrumentos de valoração. Essa negociação ocorre por muitos meios, e frequentemente há sementes filosóficas genuínas nos próprios cientistas, mas a minha tese é administrativa: existe um espaço no diálogo que é do interesse do filósofo e esse espaço não está ocupado. Então, devem ser criados órgãos institucionais que faça como que essas vozes sejam ouvidas e todos os lados do diálogo apareçam com transparência. Não dá pra confiar, por exemplo, que os países de primeiro mundo vão cuidar dos interesses dos países de terceiro mundo em suas reuniões. Se isso acontecer, vai acontecer sem transparência, e portanto, não democraticamente. O mesmo vale para a relação entre ciência e filosofia hoje. Por mais antiquada que essa divisão - que remonta ao transcendental - seja, ela é necessária para resgatar a transparência da negociação. Estou cada vez mais a favor de defender uma colonização administrativa severa da filosofia por toda a academia - principalmente para fiscalizar os cursos técnicos.

    ResponderExcluir