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sábado, 28 de julho de 2012

Os diamantes e as prostitutas da Chapada



A cidade de Lençóis é uma cidade de garimpeiros, me disse com relut^ancia o guia, resistindo retoricamente à minha pergunta sobre a atividade ilegal de extração de pedras, como se me avisasse para não tocar no assunto com essa honestidade semântica tão violenta. Contudo, ele gostava de apontar cada armação de pedras fragmentadas que enfeitava a trilha, recompondo a véspera transparente, sugerindo o passado movimentado daquelas estradas sem pavimento. Eram os destroços do que antes foram abrigos solidários aos homens tomados pela febre do diamante, uma vez que a pé a cidade mais próxima poderia custar cinco horas de trabalho atrasado. Quem eram esses homens? Tive vontade de perguntar. Mas minha pergunta não faria sentido, o guia jamais entenderia a raiz da minha curiosidade, minha vontade de saber a que vazio humano essa raça obedecia, que grande épico da angústia espiritual eles protagonizavam, com que íntima coragem exploravam as condições de uma ambição ilimitada e solitária. Queria saber a qual cultura de sofrimento e de prazer eles pertenciam, que tipo de músicas nasceria de sua experiência, que literatura seria escrita inspirada por suas frustrações e sucessos. Passamos por uma casa de garimpeiro intacta, uma metáfora de madeira embutida harmoniosamente na estrutura de pedras, como uma miscigenação poética de obra humana e natural. Ali ainda poderia viver alguém, e era inverossímil que não houvesse um dono contemporâneo. Foi quando fiz a pergunta, e o guia tergiversou, ambíguo, como se protegesse um segredo que não era seu. E eu queria fazer minha pergunta: quem eram esses homens? Mas aqueles misteriosos homens dessa breve civilização em ruína não teriam para ele nenhum encanto. Ele provavelmente acompanhou a sua trajetória sem reconhecer nenhum vestígio de mágica: eram seus tios, seus pais. E o sacrifício? O abandono e o delírio da riqueza? Mesmo o fracasso, nesses casos, tem de ser grandiloquente. Resolvi traçar minha estratégia para roubar a verdade com essa pergunta: muita gente enriqueceu naquela época? Ao que ele respondeu: olha... só quem enriqueceu mesmo com os diamantes foram as prostitutas. Sim, pensei, as prostitutas. Mas, ele continuou, não é bom usar esse nome para falar das mulheres da vida em Lençóis não, me advertiu. Não precisei de mais explicação, se era verdade que a origem das árvores genealógicas de famílias respeitadas foi aninhada nos diamantes conquistados pelo suor sexual de persuasivas oportunistas. E por que não? O próprio mito da fundação de Roma, quem sabe lá se não encobre uma dessas verdades rasteiras que a elite se esforça por erradicar dos livros da memória. Esbocei abordar o assunto, porém, o guia tergiversou novamente, mais uma vez me ditando um limite retórico, um aviso amigável de recuo: fim da linha. Ali podia estar em jogo a reputação de sua avó – com todo o respeito.  

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