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segunda-feira, 28 de maio de 2012

A eterna rinha dos boêmios com os moralistas


            Passei os olhos pelos jornais dos últimos dias e me deparei com o mais novo assalto contra a própria reputação cometido por Ronaldinho Gaúcho, sempre mais leal à sua inclinação boêmia que ao desejo de satisfazer as chefias, ou quem quer que seja. Lembrei-me então de Romário em sua fase memorável. Dizem que o carioca barganhava com o técnico sua saída do campo para o carnaval, e quando interrogado sobre sua volta ao Brasil, durante sua melhor fase no exterior, apenas sugeriu ao repórter: “você não sabe o que é morar no Rio de Janeiro”.
            Vi em seguida outra enxurrada de reações dos cronistas indignados erigindo promessas de inferno contra o jogador. Houve quem o chamasse de vagabundo, outros de farsa. O que esses muito respeitáveis velhos encalhados em sua ilha de decência têm de superar é o fato de que nascerão sempre versáteis moleques cheios de molejo e vida, talentosos o bastante até para desperdiçar seu talento. Têm de aprender que o seu comportamento escandaloso não é uma questão de domínio público, ou uma exploração da confiança civil, e muito menos a carga de uma dívida que eles fazem com os invejosos. Pode parecer uma injustiça dos céus, mas não há no mundo cláusula alguma reputando aos jovens levianos a responsabilidade de indenizar a amargura de anciões reprimidos que sofrem entediados com a própria memória. A propósito, é de desconfiar do moralismo de quem cobra essa dívida inexistente. Parecem aqueles infelizes que xingam de vadia a mulher que não concedeu em dar-lhes a felicidade.
            Por outro lado, o moleque e a menina muito encantados por sua própria liberdade não deveriam tampouco tentar desmentir a existência da palavra experiente, a voz da idade, que ganhou a confiança de falar mais alto e cravar na terra o valor de sua lei e censura. Por mais modelos em que a sociedade possa se camuflar, permanece fixa a condição de fidelidade exigida de seus membros. Os vários modos de credibilidade que estruturam a coexistência social são mapeados justamente pelo sistema de débitos instaurados dos antigos para os novos, e não se deve jamais subestimar o poder de sua cobrança. É essa verdade simples, porém capital, que falta à inteligência de uma camada de descontentes sociais. Ou aquela que eles preferem não ver.
            Eu, que me considero um boêmio até onde posso, acredito que a boemia é a vida como ela deve ser vivida, porém não dissimulo ignorar que a sua energia prazerosa nasce de um abuso do crédito social, não da conformidade com a regra do dia. O boêmio vive, justamente, ao avesso da regularidade diária.  E se não fosse assim, ainda seria bom?

3 comentários:

  1. Hoje mais do que nunca é preciso distinguir o boêmio do baladeiro já escrevi varias crônicas sobre isso. o boêemio é anarquista politizado e rima amor e mulher entre os copos que degusta, balbucia versos ,que mesmo na indiferença iconoclasta do marmore ao repousar o copo ,vê a beleza femenina nas gotas que salpicaram da sobra da garrafa ,que muitos dizem que ele dedicou ao santo, que santo ,que nada , santo é a mulher amada..não sou de baladas ,mas penso que Baladeiro é qualquer coisa,,, menos isso...

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  2. Consegues me encantar. És um monstro na sutileza, nos detalhes, na poesia dissertativa.

    e isso aí é o politicamente correto tomando conta do brasil analfabeto. todo o cuidado é pouco, jovem doutorando. :D

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  3. aee, valeu o comentário rapaziada. Nem me fala gabriel...vou te falar que invejo vc , que ainda tem coragem de dizer umas verdades aí que eu prefiro evitar de dizer, com prejuizo pra minha consciência!

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