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quarta-feira, 9 de março de 2011


Supondo que a verdade fosse a recompensa de uma metodologia acertada, de uma linguagem estruturada sem enfeites, ídolos e simbologias ambíguas; isso é, o justo pagamento por uma estratégia simples, clara e elegante para solucionar problemas, teríamos uma confirmação da divisão que fazem alguns: da ciência como a precursora da verdade, e da literatura como o foco da imaginação arbitrária. Pois a literatura é carente de fato de todas aquelas qualidades que fazem da ciência a simplificadora oficial da experiência humana, que a empobrece a uma existência de algoritmos. Pelo contrário, é construída englobando a convergência de muitas vozes, não dispensa enfeites e acessórios, tem uma rebeldia original e nativa à simplicidade e não raro, aplica à eloquência a regra da prolixidade. E, no entanto, é preciso para fazer-lhe justiça rejeitar o sacrifício que lhes oferece os cientistas, o de ocupar um lugar à margem da verdade. É certo, porém, que a verdade na literatura seja alcançada por uma perspectiva diferente; e que o seu valor, parecido com aquele dos mitos e das fábulas, tenha contra si a resistência de alguns milênios de oposição, desde talvez quando os primeiros filósofos advogaram com tanta energia a causa da verdade científica. A abordagem da verdade feita pela literatura é tão diferente daquela realizada pela ciência que o seu objeto, apesar do mesmo, é irreconhecível. Naquela a verdade é acessível apenas como o subtexto que percorre o submundo dos acontecimentos superficiais, e que exige um herói, um forasteiro, um exilado, que chega à trama representando a capacidade de não engolir a mentira coletiva enfeixada na problemática do enredo. Um vilão que representa a outra face da inteligência, o gênero astuto, imprescindível à complicação do fio narrativo que dará ao último acontecimento o valor de um fim e de uma solução. O mulato vitimado pela fatalidade histórica, que vem dissolver com o seu exemplo todas as nódoas de um escândalo obscuro. Ou um louco, uma bruxa, que representa no concurso narrativo a sensibilidade inspirada, a visão que faltava à limitada perspectiva do cenário construído. Um casal apaixonado, cuja falta de mesquinhos escrúpulos expõe os segredos criminosos escondidos, e cujo impacto da morte representa o triunfo do destino. A literatura pressupõe a interrogação do espírito e não dos fatos naturais, e é por isso que a sua versão da verdade acaba vindo em forma de uma experiência cultural, um amadurecimento espiritual, ou, como se chama também, uma moral subjacente à estória.

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