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terça-feira, 5 de abril de 2011

Sobre a sutileza dos literatos



“...não é improvável que a literatura vá sempre render insights mais profundos para aquilo que se chama a pessoa humana plena do que qualquer outro método experimental pode esperar conseguir.”(Noam Chomsky)

E continua:

“Mas esses insights não provam nada, só nos revelam coisas que podemos entender intuitivamente tão logo as percebamos. É por isso que elas são frequentemente tão pungentes e tem tanto efeito sobre nós.”

Nunca tive dúvidas de que a característica que distingue um bom literato é, seja o que for, algo muito diferente daquelas de um espírito positivo e experimental. Lendo Kant um dia desses, tive a impressão de ter encontrado um adjetivo adequado para exprimir as qualidades desses mestres das imagens e das formas retóricas. Eles são “sutis!”, entendendo-se por sutileza a perfeição subjetiva do conhecimento. Segundo Kant, “Sutil é o conhecimento de uma coisa por alguém que nela descobre o que habitualmente se furta à atenção dos demais.” (Logik, AK55).

Não sei o quanto a sutileza é importante para o cientista, uma vez que esse se caracteriza justamente por ter seu objeto tão bem definido que nenhum aspecto suscetível apenas de percepção privada, ou de um apontamento habilidoso, sugestivo, tenha para ele qualquer importância. Soma-se a isso a certeza de que, do ponto de vista objetivo, opor arrazoados e sutilezas de fonte subjetiva pode levar a uma indesejável dialética, uma ilusão no coração da razão provocada por se tomar “fundamentos meramente subjetivos por objetivos e, por conseguinte, confunda-se a mera aparência da verdade com a própria verdade”(Logik, AK56). Não obstante, nada me furta a confiança de que as obras literárias sejam permeadas dessas sutilezas, e que elas são mesmo essenciais para a idéia que fazemos da literatura; de fato, uma obra literária “rude”, destituída de uma sutil delicadeza para penetrar na “alma” da história,só pode ser uma obra ruim, não mais que um recorte vulgar de muitas experiências combinadas grosseiramente. As verdadeiras obras literárias são fragmentos de destacamentos subjetivos operando sobra a situação real, construindo ilusões tão consistentes quanto poderia se imaginar dentro do escopo facultativo do hábil e malicioso gênio maligno de Descartes.

Mas, supondo que essa pergunta fosse importante, qual seria exatamente o talento do gênio cartesiano? É imitar, simular consistência e coerência ao ministrar elementos de percepção provenientes de uma sensibilidade apurada, como quem sabe ressaltar nas coisas seus traços mais marcantes para então repeti-los e reproduzi-los em sua própria obra, sua grande ilusão. E qual o estado que, combinando com o gênio maligno, o escritor compartilha? É a sutileza. E, afirmo, um análogo ao estado dionisíaco: “de modo que ele descarrega de uma vez por todas os seus meios de expressão e, ao mesmo tempo, põe para fora a força da simulação, da imitação, transfiguração, transformação, toda espécie de mímica e atuação.”(Nietzsche, Crepúsculo dos ídolos). Aquele estado em que se torna sensível aos traços da realidade que à maioria passa mdespercebidos, aqueles mesmos traços que, disse acima, autorizam a construção imitativa de sua própria obra, só são experimentados em um estado dionisíaco. É impossível que um escritor, conjugando desse estado, não saiba ler cada insinuação maliciosa que a realidade lhe faz; é impensável que alguém como Allan Poe não fosse capaz de mimetizar e reagir à realidade, emprestando a ela toda a plenitude de seu estado embriagado. O literato “não ignora nenhum indício de afeto” (Nietzsche, mesma obra). Sua operação é flertar com a realidade, capturando os sinais que ela lhe passa, e demandando dessa ‘mulher’ uma resposta sensual – ele não se satisfaz com menos do que transformá-la, dilatá-la, para que daqui por diante ela nunca mais seja a mesma.

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