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quinta-feira, 27 de outubro de 2011

A discussão da racionalidade e os animais (não humanos)

Em um de seus polissêmicos ensaios dizia Sr. Michel de Montaigne, o aristocrata francês lendariamente encerrado em sua torre, que como nós, os animais não humanos são dotados de paixões, sentimentos de solidariedade e mesmo a capacidade de inferir. Entre um de seus exemplos, recitava o do célebre cachorro que, tendo de escolher um entre três caminhos para perseguir um criminoso, precisou cheirar apenas dois para decidir-se pela terceira – e não farejada – rota. O comportamento do cão ilustra o uso de uma forma de tirar conclusões de premissas. Imediatamente surge a ideia de que o bicho não está preso a representações parciais e contingentes do instinto, mas pode explorar padrões de generalidade, abstraindo o conteúdo da representação. Dessa ideia alguém poderia sugerir que desvalorizamos os cães. Mas Montaigne é um ensaísta cínico e por mais apreço aos animais que tivesse, suspeito que estava menos interessado em aumentar-lhes o valor que em humilhar a nossa vaidade de “animal racional”. Confesso uma inclinação a compartilhar com ele deste interesse. A lógica é superestimada: o modo como formalizamos um argumento não necessariamente corresponde a um padrão de economia imutável, um reino ideal de arquétipos. Há provavelmente sempre mais do que uma maneira de resolver o mesmo problema e ainda quando há uma mais econômica solução – a mais lógica – há outras maneiras de se formular o problema que a tornam um pouco menos fundamental. A nossa concepção egoísta de racionalidade provém dos quebra-cabeças que nos impomos e, é preciso dizer, o homem foi até hoje um mestre pelo menos em construir labirintos particulares capazes de limitar sua experiência a um padrão de formas fixas. Quem não sabe “ver” dessa maneira é tido como burro, ou irracional. Vão mais longe e dizem: lhe falta espírito, lhe falta deus. Mas o que é deus senão a invenção metafísica que expressa o crédito total de um tipo de experiência? Com essa ideia  o homem fecha o círculo de sua experiência e a glorifica finalmente como Cultura. Pode parecer difícil sair desse círculo e abri-lo a outras espécies. A própria natureza dos órgão vocais, a incapacidade de articulação linguística, parecem desafiar essa ambição. Isso não significa muito, entretanto, uma vez que a mera presença de um gato ou um cachorro dentro de uma casa automaticamente o investe com uma espécie - ainda que pouco pronunciada - de papel subjetivo; muitas vezes o papel dominador. Quem permanece voluntariamente surdo à voz dos animais no mundo, com ou sem verbo, logos, forma, não passa de um procrastinador, muitas vezes oportunista.

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